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digital - Comunidade Virtual de Antropologia

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Esse obscuro objeto da pesquisa<br />

<strong>Antropologia</strong> como filosofia<br />

Relacionar antropologia e filosofia é repensar um antigo<br />

parentesco. Boa parte do que atualmente enten<strong>de</strong>mos como reflexão<br />

antropológica é obra <strong>de</strong> filósofos, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o velho Protágoras,<br />

formulador primeiro do princípio relativista. Mesmo os mais clássicos<br />

expoentes do ramo, como Kant ou Hegel, <strong>de</strong>dicaram boas páginas não<br />

só a discutir sobre o Humano em geral, mas também sobre os<br />

costumes e as idéias <strong>de</strong> povos distantes. Ainda hoje um ramo do<br />

domínio dos filósofos respon<strong>de</strong> pelo nome <strong>de</strong> “antropologia filosófica”.<br />

O divórcio entre ambas só se <strong>de</strong>u a partir do positivismo.<br />

Philosophes como Rousseau ainda estimavam que o conhecimento dos<br />

tais povos distantes era uma parte valiosa da reflexão filosófica; mas<br />

poucos <strong>de</strong>cênios <strong>de</strong>pois o estudo dos humanos concretos foi confiado a<br />

ciências concretas, mais ou menos <strong>de</strong>terminadas a virar ciências no<br />

sentido positivista: a história, a sociologia, a etnologia. A filosofia<br />

escapou em direção a patamares mais altos. Já que a Ciência lhe<br />

disputava a jurisdição sobre o mundo, a filosofia <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser filosofia<br />

do mundo para se tornar, pelo menos na sua maior expressão, filosofia<br />

da ciência, um meta-saber respeitado sempre que se mantenha lá no<br />

seu último andar; em geral o filosofo tropeçará como qualquer mortal<br />

quando se aventure se guia em matérias da especialida<strong>de</strong> <strong>de</strong> outros. É<br />

em geral o problema da antropologia filosófica, que continua<br />

refletindo sobre matérias que não po<strong>de</strong>m mais ser tratadas à margem<br />

do volume <strong>de</strong> conhecimento que a antropologia não filosófica já<br />

coletou.<br />

Qual seria agora, no caso particular da antropologia, a relação entre<br />

esses dois termos divorciados não faz tanto tempo?<br />

Uma das possibilida<strong>de</strong>s é fazer como se o divórcio não tivesse<br />

acontecido. Muitos filósofos se negam a aceitar esse exílio nas alturas,<br />

<strong>de</strong>scem à terra e enriquecem suas reflexões com dados históricos ou<br />

etnográficos.<br />

Do outro lado, os antropólogos –outrora muito púdicos a esse<br />

respeito- prodigam as citações <strong>de</strong> filósofos nas suas obras, e os lugares<br />

<strong>de</strong> honra dos seus textos não se reservam mais para algum notável da<br />

própria disciplina mas para Hei<strong>de</strong>gger, Hobbes, ou Habermas, ou<br />

Deleuze.<br />

Alguma coisa <strong>de</strong> estranho há nessas atitu<strong>de</strong>s; <strong>de</strong> estranho, não<br />

necessariamente <strong>de</strong> abominável. Como assim continuam juntos, <strong>de</strong>pois<br />

daquele divórcio tão comentado, sem que tenha se <strong>de</strong>finido melhor a<br />

sua atual relação?<br />

De um lado, o dos antropólogos, parece às vezes persistir um certo<br />

prurido burguês <strong>de</strong> respeitabilida<strong>de</strong>. Afinal, po<strong>de</strong> ser frustrante passar<br />

a vida numa disciplina que trata <strong>de</strong> gente com uma media escolar<br />

muito baixa, e parece como se o seu discurso ascen<strong>de</strong>sse a uma<br />

dignida<strong>de</strong> acadêmica superior mediante a utilização <strong>de</strong> um linguajar<br />

filosófico. A experiência po<strong>de</strong> dar certo e compor um belo quadro, por<br />

exemplo, com Spinoza no sertão. Com mais freqüência, porém, acaba<br />

sendo como aquele impulso <strong>de</strong> novo rico que levou aos construtores<br />

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