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digital - Comunidade Virtual de Antropologia

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Esse obscuro objeto da pesquisa<br />

boa teoria, <strong>de</strong>vem fazer diferença mesmo quando traduzidas a termos<br />

divulgativos.<br />

Nota: O que estamos a <strong>de</strong>screver aqui guarda uma relação intensa<br />

com o que Bruno Latour chama actor-network theory (ANT). Para<br />

começar, porque a ANT propõe pesquisas situadas numa superfície<br />

continua e plana, e não em planos diferentes (como os da realida<strong>de</strong> e a<br />

sua interpretação); isto é, o objetivo é <strong>de</strong>screver essas re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> atores, o<br />

critério <strong>de</strong> valida<strong>de</strong> se aplica a essa <strong>de</strong>scrição e não a uma teoria que<br />

po<strong>de</strong>ria pairar em outro patamar. Em segundo lugar, porque os atores<br />

<strong>de</strong>ssa re<strong>de</strong> <strong>de</strong> atores <strong>de</strong>vem ser atores no sentido teatral <strong>de</strong> que<br />

interpretam. Ou seja, agem: alterando, criando. A interpretação do ator<br />

não está no seu foro íntimo, <strong>de</strong> on<strong>de</strong> nós a po<strong>de</strong>ríamos tirar com as<br />

nossas artes hermenêuticas, está exposta e <strong>de</strong>rramada no próprio palco.<br />

Atores “transparentes” (ou <strong>de</strong>scritos como transparentes) são<br />

<strong>de</strong>snecessários, elementos que não fazem diferença nenhuma na ação<br />

e portanto só acrescentam a ela massa morta ou ruído. Ora, um ator<br />

que age como ator não po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>spachado em cinco palavras: “ele faz<br />

papel <strong>de</strong> Hamlet”, é preciso chegar ao <strong>de</strong>talhe <strong>de</strong>ssa ação.<br />

Talvez o termo escolhido –<strong>de</strong>scrição <strong>de</strong>nsa- po<strong>de</strong> enganar. Mais que<br />

uma <strong>de</strong>scrição <strong>de</strong>nsa, trata-se <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>scrição <strong>de</strong> objetos <strong>de</strong>nsos, ou<br />

<strong>de</strong> objetos aos quais a <strong>de</strong>scrição dota <strong>de</strong> <strong>de</strong>nsida<strong>de</strong>.<br />

Sobre-interpretação<br />

Há um uso estrito do termo interpretação que alguns teóricos<br />

amam e outros <strong>de</strong>testam: é aquele, vinculado à hermenêutica, que<br />

diferencia entre dois níveis <strong>de</strong> realida<strong>de</strong> ou <strong>de</strong> discurso: um <strong>de</strong>les<br />

bruto, o outro refinado; um <strong>de</strong>les epidérmico e o outro profundo, um<br />

<strong>de</strong>les explícito e o outro implícito. Assim, por exemplo, um paciente<br />

neurótico conta um sonho on<strong>de</strong>, <strong>de</strong> frente para a sua janela, viu uma<br />

matilha <strong>de</strong> lobos empoleirados nos galhos <strong>de</strong> uma árvore. O Dr. Freud,<br />

sentado atrás <strong>de</strong>le, começa a suspeitar que esse sonho é, na verda<strong>de</strong>, o<br />

imaginativo disfarce <strong>de</strong> um episódio em que o paciente, quando<br />

criança, surpreen<strong>de</strong>u seus pais em plena relação sexual.<br />

Se enten<strong>de</strong>mos que a hermenêutica é a armação própria e<br />

suficiente das ciências humanas, então <strong>de</strong>veremos enten<strong>de</strong>r que o Dr.<br />

Freud tem razão e que a interpretação é um discurso <strong>de</strong>stinado a<br />

substituir, em último termo, <strong>de</strong>scrições ou relatos mais superficiais.<br />

Outras abordagens po<strong>de</strong>m enten<strong>de</strong>r que quando interpretamos<br />

apenas acrescentamos ao relato -ao relato do nativo, à <strong>de</strong>scrição <strong>de</strong> um<br />

ritual ou <strong>de</strong> um sistema <strong>de</strong> parentesco- uma versão a mais, quiçás uma<br />

valiosa versão a mais.<br />

Ao longo <strong>de</strong>ste manual tenho evitado, em geral, o termo<br />

interpretação, preferindo o termo <strong>de</strong>scrição; alguém po<strong>de</strong> objetar, com<br />

toda razão, que qualquer <strong>de</strong>scrição é uma interpretação. O é, sem<br />

dúvida, mas não necessariamente nesse sentido hermenéutico forte<br />

que acabamos <strong>de</strong> citar. Um psicanalista interpreta sonhos, um<br />

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