22.06.2015 Views

digital - Comunidade Virtual de Antropologia

digital - Comunidade Virtual de Antropologia

digital - Comunidade Virtual de Antropologia

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

Esse obscuro objeto da pesquisa<br />

filho <strong>de</strong> um boto. Na minha ontologia, na minha biologia e na minha<br />

lógica não cabe a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> que um boto seja capaz <strong>de</strong> gerar um<br />

filho que possa falar comigo como fulano. Mas não preciso -ao menos<br />

por enquanto- a<strong>de</strong>rir à ontologia, a biologia ou a lógica <strong>de</strong> Fulano para<br />

<strong>de</strong>finir a realida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sse dado, que encontrarei entre esses mesmos<br />

limites que me servem para <strong>de</strong>finir a realida<strong>de</strong> do censo; como,<br />

quando, on<strong>de</strong>, etc. eu fiquei sabendo <strong>de</strong>ssa peripécia extraordinária.<br />

Quantida<strong>de</strong> dos dados<br />

Mas se os dados são produzidos pelos sujeitos da pesquisa, nativos<br />

ou antropólogos, isso significa que eles são potencialmente infinitos:<br />

nunca se reunirão TODOS os dados. A pesquisa NUNCA po<strong>de</strong> ser<br />

exaustiva. Mais claro ainda: NUNCA se reunirão TODOS os dados<br />

IMPORTANTES. Preten<strong>de</strong>r isso tem o mesmo nível <strong>de</strong> rigor <strong>de</strong>ssas<br />

manchetes <strong>de</strong> revista que anunciam O Casamento do Século.<br />

Conseqüência: se o volume <strong>de</strong> dados não está dado pela indiscutível<br />

realida<strong>de</strong>, então ele é dado pelo discutível critério do pesquisador. Ele<br />

po<strong>de</strong>, por falta <strong>de</strong> zelo ou <strong>de</strong> sorte, se ver, no final da sua pesquisa, com<br />

poucos dados. Mas é quase mais comum que, pelo contrario, acabe a<br />

sua pesquisa com <strong>de</strong>masiados dados. Os dados, veja-se, po<strong>de</strong>m ser<br />

<strong>de</strong>masiados, e isso tem que se explicado com algum <strong>de</strong>talhe.<br />

Uma tese não é um fundo documental.<br />

A pesquisa <strong>de</strong>stinada a uma tese po<strong>de</strong> ter, como objetivo<br />

complementar, o ensejo <strong>de</strong> formar um fundo documental, a respeito<br />

<strong>de</strong> uma comunida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> um conjunto musical, <strong>de</strong> uma instituição, etc.<br />

Mas esse acervo nunca é o objeto principal <strong>de</strong> uma tese. Mais: se a<br />

nossa pesquisa inclui esse tipo <strong>de</strong> objetivo complementar (muito justo<br />

e interessante em si) <strong>de</strong>vemos ser conscientes <strong>de</strong> que estamos a<br />

realizar uma dupla tarefa perigosa, em que o esforço <strong>de</strong>stinado a uma<br />

po<strong>de</strong> obstaculizar, ou inclusive anular, o da outra.<br />

Uma tese também não é uma enciclopédia. O equívoco po<strong>de</strong><br />

acontecer com alguma facilida<strong>de</strong> porque alguns clássicos da<br />

antropologia parecem muito com enciclopédias. Pensemos por<br />

exemplo no conjunto dos livros que Malinowski escreveu a respeito<br />

das Trobriand, ou ainda mais, dos volumes que Firth publicou sobre<br />

Tikopia. Mas, para começar, isso não são teses, são, pelo menos em<br />

parte, enciclopédias propriamente ditas, e foram arquitetadas como<br />

tais. É mais, são enciclopédias elaboradas com uma i<strong>de</strong>ologia empirista<br />

e positivista que supõe, contra o que dissemos mais acima, que os<br />

dados estão lá, para serem colhidos mais ou menos como laranjas (se é<br />

que po<strong>de</strong> se perdoar a caricatura). Jogam com o i<strong>de</strong>al da exaustivida<strong>de</strong>;<br />

e, naturalmente, estão muito longe <strong>de</strong> ser exaustivas, inclusive porque<br />

essa pretensão <strong>de</strong> exaustivida<strong>de</strong> as faz improvisar <strong>de</strong>masiado<br />

rapidamente critérios que separam o que é dado relevante e<br />

irrelevante.<br />

173

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!