22.06.2015 Views

digital - Comunidade Virtual de Antropologia

digital - Comunidade Virtual de Antropologia

digital - Comunidade Virtual de Antropologia

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

Oscar Calavia Sáez<br />

minhas premissas às minhas conclusões (que intuitivamente se<br />

alinham com conclusões já consagradas, ou contra elas). O método é<br />

um alterador da teoria, o recurso que inutiliza um dos pés da teoria<br />

para que ela só possa andar no campo se apoiando no que lá se<br />

encontra. E isso, <strong>de</strong> um modo que se prolonga <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o planejamento<br />

inicial da obra, até a sua elaboração final e sua divulgação.<br />

Um bom exemplo: Lembro <strong>de</strong> uma palestra <strong>de</strong> Theodor Shanin<br />

sobre as pesquisas que Chayánov, um sociólogo russo, <strong>de</strong>dicou ao<br />

campesinato do seu país. Chayánov esteve ligado a setores do Partido<br />

Bolchevique. O seu ponto <strong>de</strong> partida teórico era, como podia se esperar<br />

do momento, marxista, e tendia a perceber seu tema em termos da<br />

luta entre classes sociais no meio rural –a tensão, por exemplo, entre<br />

camponeses pobres e ricos. Mas o uso metódico <strong>de</strong> genealogias foi lhe<br />

indicando que, geração após geração, as famílias <strong>de</strong> camponeses ricos<br />

se arruinavam, ce<strong>de</strong>ndo seu lugar na elite a outras que ascendiam<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> os estratos mais pobres. A <strong>de</strong>scontinuida<strong>de</strong> –e, em termos<br />

marxistas, a exploração-, não se dava assim entre classes diferentes <strong>de</strong><br />

camponeses, ou pelo menos entre classes históricamente consistentes,<br />

estáveis, mas entre o interior rural e as elites urbanas: a acumulação <strong>de</strong><br />

capital se realizava na cida<strong>de</strong> às custas do campo. O uso <strong>de</strong><br />

genealogias, na pesquisa <strong>de</strong> Chayánov, era uma técnica capaz <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>stacar <strong>de</strong>terminadas relações. Agir com método significava seguir<br />

até o final as pistas oferecidas pela técnica e chegar por elas até a<br />

alteração da teoria. Era, é claro, uma <strong>de</strong>cisão ética para com a sua<br />

pesquisa, mas também fora <strong>de</strong>la, pois podia levar, e levou, a conclusões<br />

que se <strong>de</strong>sviavam da ortodoxia teórica. Isto é, agir com método po<strong>de</strong><br />

levar ao sucesso acadêmico: mas também a um campo <strong>de</strong><br />

concentração.<br />

Agir com método significa levar em consi<strong>de</strong>ração todas as variantes<br />

<strong>de</strong> um mito se no início da pesquisa assim foi <strong>de</strong>terminado; ou, se<br />

optou-se pela solução contrária, levar em consi<strong>de</strong>ração somente as<br />

variantes autorizadas. Obter uma media a partir <strong>de</strong> uma amostragem<br />

extensa e aleatória, ou <strong>de</strong>finir um mo<strong>de</strong>lo a partir <strong>de</strong> um caso<br />

particular, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo <strong>de</strong> qual foi o requisito previamente<br />

estabelecido. Agir com método é enfrentar e resolver os obstáculos que<br />

nos coloca a pesquisa, e não eludi-los renunciando os requisitos que<br />

nós mesmos estabelecemos para ela. Saltar graciosamente <strong>de</strong> um<br />

requisito a outro po<strong>de</strong> ser muito agradável, mas é também o que po<strong>de</strong><br />

se chamar agir sem método.<br />

A Teoria<br />

In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente das <strong>de</strong>finições que <strong>de</strong>mos à teoria –<strong>de</strong>pois nos<br />

ocuparemos <strong>de</strong> várias-, é bom dizer que ela é essencialmente um<br />

discurso, a diferença das técnicas, que são habilida<strong>de</strong>s nem sempre<br />

verbais nem verbalizáveis, e do método, que é essencialmente um<br />

protocolo <strong>de</strong> conduta. Mais do que um texto, a teoria é, no sentido mais<br />

intenso da palavra, um hipertexto, uma organização do texto em que<br />

todos os elementos remetem, não só a um objeto <strong>de</strong>scrito, mas a outros<br />

52

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!