digital - Comunidade Virtual de Antropologia
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Oscar Calavia Sáez<br />
Com certeza não se trata <strong>de</strong> tempo perdido: pelo contrario, é muito<br />
útil para assimilar os resultados da pesquisa. Mas, volto ao anterior,<br />
será útil sempre que se mantenha <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> dimensões razoáveis.<br />
Elaborar um roteiro <strong>de</strong> duzentas cinqüenta horas <strong>de</strong> gravação<br />
dificilmente permitirá ao autor chegar a alguma parte.<br />
Mas como, afinal, <strong>de</strong>finir e controlar o volume dos dados? Voltemos<br />
ao início <strong>de</strong>sta seção. Lá, falamos <strong>de</strong>sse modo <strong>de</strong> coletar dados ou <strong>de</strong><br />
produzir dados apenas com a ajuda <strong>de</strong> papel e caneta. Aparte <strong>de</strong> suas<br />
<strong>de</strong>svantagens quanto à agilida<strong>de</strong>, essa técnica tem um outro<br />
inconveniente: ela aplica <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a fonte uma interpretação ativa dos<br />
dados. Isto é, o pesquisador <strong>de</strong>ci<strong>de</strong> na hora o que é interessante ou não<br />
na fala que escuta ou na ação que observa; em geral, é apenas isso que<br />
anota. Po<strong>de</strong> ser que <strong>de</strong>pois lembre vagamente <strong>de</strong> algum <strong>de</strong>talhe que<br />
no momento não lhe pareceu importante e que talvez o fosse: tar<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>mais, não anotou, não lembra direito. Ou po<strong>de</strong> ser que simplesmente<br />
não lembre, e a sua pesquisa continue pra frente sem tocar nesse ponto<br />
que po<strong>de</strong>ria ser importante. As gravações, é claro, permitem um nível<br />
maior <strong>de</strong> revisão e reflexão.<br />
Porém, esse proce<strong>de</strong>r quase medieval do papel e a caneta tem, pelas<br />
mesmas razões, uma vantagem evi<strong>de</strong>nte: ele mantém a presença do<br />
sujeito pesquisador, que controla mais <strong>de</strong> perto os seus dados. Não há<br />
uma separação entre o momento da coleta e o da assimilação dos<br />
dados, a cada momento o pesquisador está recolhendo os seus dados,<br />
organizando-os e interpretando-os. Os dados são um caminho, e não<br />
um peso morto que <strong>de</strong>pois o pesquisador <strong>de</strong>va se <strong>de</strong>sesperar para<br />
vivificar.<br />
O volume ótimo dos dados <strong>de</strong> uma pesquisa po<strong>de</strong> vir a se <strong>de</strong>finir,<br />
assim, <strong>de</strong> um modo técnico, pela conexão entre muito novas e muito<br />
velhas tecnologias <strong>de</strong> registro: isto é, o pesquisador po<strong>de</strong>rá levar tão<br />
longe quanto queira o registro <strong>de</strong> sua pesquisa por meio <strong>de</strong> quaisquer<br />
meios sempre que, simultáneamente –por exemplo, no diário <strong>de</strong><br />
campo- ele esteja acompanhando esse percurso por meio da escrita.<br />
Apesar <strong>de</strong> todo que tem sido dito sobre/contra o logocentrismo ou<br />
grafocentrismo da nossa tradição intelectual, a pesquisa é uma<br />
ativida<strong>de</strong> constituída sobre as proprieda<strong>de</strong>s da língua, e mais<br />
exatamente sobre as proprieda<strong>de</strong>s da língua escrita.<br />
Premissas, argumentos, <strong>de</strong>scrições, análises e conclusões são<br />
objetos que já não pertencem a rigor ao universo da oralida<strong>de</strong>: eles<br />
fazem parte do mundo da escrita, e ainda não foram substituídos por<br />
outros objetos pertencentes ao universo do registro <strong>digital</strong>. A presença<br />
<strong>de</strong> programas que armazenam e processam dados po<strong>de</strong> introduzir<br />
algumas variações nessa situação, mas, não nos enganemos, são <strong>de</strong> tipo<br />
menor pelo menos na ciência que nós cultivamos; e, sobretudo,<br />
continuam a ser <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes da escrita.<br />
Para que os nossos dados não se tornem uma massa incontrolável, o<br />
que <strong>de</strong>vemos fazer é não <strong>de</strong>ixar que eles se in<strong>de</strong>pendizem totalmente,<br />
nunca, da escrita. E isso não porque, presos do nosso logocentrismo,<br />
<strong>de</strong>vamos atribuir alguma virtu<strong>de</strong> transcen<strong>de</strong>ntal à escrita, mas<br />
simplesmente porque ela é ainda, e isso não leva caminho <strong>de</strong> mudar, o<br />
veículo reconhecido <strong>de</strong> expressão e organização <strong>de</strong> uma tese.<br />
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