22.06.2015 Views

digital - Comunidade Virtual de Antropologia

digital - Comunidade Virtual de Antropologia

digital - Comunidade Virtual de Antropologia

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

<strong>Antropologia</strong> vs Etnologia<br />

Oscar Calavia Sáez<br />

A sinécdoque que acabamos <strong>de</strong> <strong>de</strong>screver unifica os dois extremos<br />

da pirâmi<strong>de</strong>, mas <strong>de</strong>ixa uma dúvida sobre o seu andar do meio. Porque<br />

por muito que o Oci<strong>de</strong>nte e o Resto não pareçam mais tão diferentes, o<br />

Resto conserva muito mais vigor do que se esperava. O que significa<br />

doravante a etnologia? Ela não po<strong>de</strong> mais ser um estagio mediador, já<br />

que o que ela mediava (etnografia-antropologia) se encontra agora<br />

unificado. E a idéia <strong>de</strong> que etnologia se <strong>de</strong>fina por um objeto especial –<br />

os selvagens, os povos naturais, as socieda<strong>de</strong>s ágrafas, etc.- está<br />

também, <strong>de</strong>finitivamente, fora <strong>de</strong> combate. Mesmo que por uma certa<br />

inércia continuemos a falar em etnólogos ou laboratórios <strong>de</strong> etnologia<br />

quando há pinturas corporais e tetos <strong>de</strong> sapé em jogo, e os etnólogos<br />

no Brasil continuem sendo esses tipos que se ocupam <strong>de</strong> índios.<br />

<strong>Antropologia</strong> e etnologia acabam sendo dois termos estranhamente<br />

superpostos, quase-sinônimos que se mantém lado a lado não sem um<br />

certo <strong>de</strong>sconforto.<br />

Todo po<strong>de</strong> ficar mais claro, porém, se reconhecemos que em algum<br />

momento a antropologia e a etnologia já foram duas disciplinas<br />

bastante diferentes, que alguém acabou acomodando um pouco à<br />

força <strong>de</strong>ntro daquela pirâmi<strong>de</strong> epistemológica.<br />

A etnologia era uma investigação dos outros, uma ciência<br />

romântica her<strong>de</strong>ira da reflexão humanista e da literatura <strong>de</strong> viagens,<br />

<strong>de</strong>bruçada sobre as diferenças, um tanto passadista (sempre saudosa <strong>de</strong><br />

um tempo em que os selvagens eram mais puros ou pitorescos) levada<br />

por uma curiosida<strong>de</strong> a respeito da diversida<strong>de</strong> humana –excitada, é<br />

claro, pelas práticas e crenças bizarras que a expansão colonial trazia<br />

constantemente à luz. Mesmo se o etnólogo fosse em casa partidário<br />

do progresso e da mo<strong>de</strong>rnização, a respeito do seu campo <strong>de</strong> trabalho<br />

cultivava uma espécie <strong>de</strong> a<strong>de</strong>são sentimental ao modo <strong>de</strong> vida dos<br />

selvagens; eventualmente fazia algum esforço para que este<br />

continuasse sem maiores alterações.<br />

A antropologia estava, pelo contrário, intimamente relacionada<br />

com os processos <strong>de</strong> nation-building: era uma disciplina ambiciosa<br />

pensada para trabalhar em casa, e seus objetivos eram a reforma do<br />

corpo nacional, a higienização, etc., preocupações claramente<br />

positivistas e práticas. A antropologia era uma empresa interdisciplinar<br />

e naturalista; entre as suas tarefas estavam coisas como a<br />

antropometria ou a dactiloscopia –esse recurso para um registro<br />

universal da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>- a elucidação dos fatores (biológicos,<br />

naturalmente) que levavam ao crime ou à pobreza, a classificação das<br />

raças, o estudo <strong>de</strong> suas características e das conseqüências <strong>de</strong> sua<br />

mistura, e ate a implantação da meritocracia no serviço público. Todo<br />

antropólogo sabe que a antropologia guarda esse fantasma no armário,<br />

um fantasma com nefandas idéias biológicas, que mesmo os cultores<br />

atuais da antropologia biológica se esforçam em con<strong>de</strong>nar.<br />

Mas no meio <strong>de</strong> toda esse <strong>de</strong>sprezo acabou se esquecendo que esse<br />

fantasma é o fantasma do pai, ou do bisavô, aquele <strong>de</strong> cuja herança<br />

institucional continuamos vivendo. Antes que no gabinete <strong>de</strong> Tylor, o<br />

letreiro <strong>de</strong> “antropólogo” pen<strong>de</strong>u às portas <strong>de</strong> alguns ilustres<br />

44

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!