digital - Comunidade Virtual de Antropologia
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Oscar Calavia Sáez<br />
um processo artesanal. As máquinas teóricas, pelo menos no caso da<br />
antropologia, costumam adoecer disso.<br />
A máquina teórica tem sido um sonho recorrente dos antropólogos.<br />
Vejamos, como exemplo, a máquina <strong>de</strong> analisar mitos que Lévi-Strauss<br />
imaginou em algum dos seus primeiros escritos sobre a matéria: o<br />
exemplo é valioso, porque proce<strong>de</strong> <strong>de</strong> um autor que afinal esteve<br />
muito longe <strong>de</strong> se <strong>de</strong>ixar seduzir pela sua invenção, e a relegou ao<br />
porão dos objetos curiosos.<br />
Mas a máquina teórica tem sido posta em prática por autores que<br />
acreditavam nela piamente, e a esses casos, infelizmente, aplica-se a<br />
mesma ironia das máquinas do professor Pardal. É o caso das análises<br />
semióticas formalistas, com seus protocolos para análise <strong>de</strong> textos: com<br />
elas, passa-se do fascínio inicial (a máquina funciona!) a uma<br />
constatação preocupante (a máquina funciona sempre, e sempre com<br />
os mesmos resultados), e a outra quiçá <strong>de</strong>soladora: é a máquina em si,<br />
e não os seus resultados, o que constitui um objeto verda<strong>de</strong>iramente<br />
interessante.<br />
Mas a teoria-máquina não é apenas um sonho formalista. Mutatis<br />
mutandis, algo disso acontece também em muito do que é entendido<br />
como pesquisa pluridisciplinar (<strong>de</strong>ixaremos para outro momento as<br />
diferenças entre multi, inter, transdisciplinarieda<strong>de</strong>). Um pesquisadorchefe<br />
<strong>de</strong>fine um suposto objeto, e para persegui-lo organiza um vasto<br />
exército científico do qual fazem parte a antropologia, a história, a<br />
psicologia, a ecologia, a economia, a medicina e a química orgânica. A<br />
proposta parece muito razoável, mas acontece com ela o que costuma<br />
acontecer com os gran<strong>de</strong>s exércitos: em lugar <strong>de</strong> cercar um objeto e<br />
analisa-lo, elas o fazem fugir <strong>de</strong> um campo a outro. Na verda<strong>de</strong>, uma<br />
vez que um objeto é dividido em seus aspectos históricos, psicológicos,<br />
ecológicos, etc. ele já está analisado e não resta muito a dizer a respeito<br />
<strong>de</strong>le.<br />
Não é que tais máquinas não funcionem, nem que os seus<br />
resultados não estejam prenhes <strong>de</strong> garantias e legitimida<strong>de</strong>: o<br />
problema é que esses resultados são <strong>de</strong>sproporcionados aos meios<br />
usados e, em soma, <strong>de</strong>sinteressantes. Não podia ser <strong>de</strong> outro modo: o<br />
característico da máquina é a exatidão, não a inovação.<br />
Em geral, me parece mais seguro <strong>de</strong>sconfiar daquelas pesquisas<br />
que se anunciam com um amplíssimo discurso metodológico: é difícil<br />
que <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ter investido tanto esforço sobre algum lugar para as<br />
novida<strong>de</strong>s.<br />
As Ferramentas<br />
A comparação da teoria com uma caixa <strong>de</strong> ferramentas <strong>de</strong>ve-se a<br />
Michel Foucault, e originalmente, salvo melhor juízo, foi enunciada<br />
precisamente contra a metáfora da máquina. Mas o modo em que a<br />
metáfora é usada trai, com freqüência, o espírito original da<br />
formulação, especialmente quando serve para invocar “as ferramentas<br />
a<strong>de</strong>quadas”. Esse uso parece apontar para uma caixa <strong>de</strong> ferramentas<br />
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