digital - Comunidade Virtual de Antropologia
digital - Comunidade Virtual de Antropologia
digital - Comunidade Virtual de Antropologia
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
Oscar Calavia Sáez<br />
pesquisa sabendo <strong>de</strong> on<strong>de</strong> vem e on<strong>de</strong> se situa o pesquisador. Mas é<br />
bom também para o próprio pesquisador, que no processo da pesquisa<br />
po<strong>de</strong> acabar esquecendo do modo em que nela se inseriu: a introdução<br />
<strong>de</strong>ve ser suficientemente reflexiva.<br />
O quadro teórico.<br />
Quanto ao quadro teórico, é bom dizer que não é absolutamente<br />
imprescindível que ele seja um elemento aparte. Ou seja, a teoria po<strong>de</strong><br />
muito bem estar embutida na <strong>de</strong>scrição do objeto e na sua justificativa,<br />
que, como já dissemos, não existe sem um domínio suficiente e<br />
consciente da teoria. Nos exemplos clássicos expostos acima, é evi<strong>de</strong>nte<br />
que na formulação (suposta) do objeto <strong>de</strong> Evans-Pritchard <strong>de</strong>veriam<br />
figurar as teorias durkheimianas e o juralismo da versão que<br />
Radcliffe-Brown fez <strong>de</strong>las. A justificativa, com suas <strong>de</strong>vidas referencias,<br />
po<strong>de</strong> ser suficiente para esclarecer todo esse panorama.<br />
Mas o autor do projeto po<strong>de</strong> enten<strong>de</strong>r também que é necessário<br />
<strong>de</strong>ixar mais claro o campo em que se situa, fazendo constar a linha<br />
teórica pela que advoga ou as teorias a que ele se opõe. Dedicar um<br />
capítulo ou um subcapítulo do projeto a enunciar o quadro teórico da<br />
pesquisa serve exatamente para isso. Serve também, daí, para regular,<br />
por assim dizer, o léxico da pesquisa, que po<strong>de</strong>rá variar muito se ele se<br />
adscreve, por exemplo, a uma corrente mais ou menos funcionalista<br />
ou a algum tipo <strong>de</strong> estruturalismo à francesa. O quadro teórico<br />
reconhece essas lealda<strong>de</strong>s e informa ao leitor sobre o modo em que o<br />
autor se aproxima do tema.<br />
Explicitar num capítulo ad hoc um quadro teórico, por tanto, po<strong>de</strong><br />
ser útil embora não imprescindível. Mas passa a ser nocivo se esse<br />
quadro teórico usurpa o papel da justificativa, que é, ela sim,<br />
imprescindível.<br />
Sejam quais forem as escolhas teóricas do autor, algo assim como<br />
“revisar <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a perspectiva da teoria pós-social a noção <strong>de</strong> fato social<br />
total <strong>de</strong> Mauss” ou “aplicar ao movimento altermundialista as noções<br />
da actor-network theory” não são justificativas válidas <strong>de</strong> objetos<br />
válidos. Não é que faze-lo não seja legitimo, evi<strong>de</strong>ntemente. Mas a<br />
pesquisa não po<strong>de</strong> estar <strong>de</strong>stinada a refrasear um fenômeno ou uma<br />
análise nos termos <strong>de</strong> uma teoria. O objeto consta dos efeitos que essa<br />
nova formulação po<strong>de</strong> produzir num terreno <strong>de</strong> saber comum às<br />
diversas teorias, e a justificativa <strong>de</strong>ve explanar isso. O quadro teórico<br />
<strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da justificativa e a rigor <strong>de</strong>ve ser um capítulo auxiliar <strong>de</strong>la.<br />
A justificativa é, por tudo isso, a parte mais braçal <strong>de</strong> um projeto. É<br />
nela que tem o seu lugar as revisões teóricas, é nela que se discutem os<br />
conceitos pertinentes para a pesquisa. A justificativa é o lugar em que<br />
o pesquisador mostra serviço, o trabalho mediante o qual o objeto se<br />
<strong>de</strong>pura e se <strong>de</strong>fine; habitualmente, um objeto impreciso é o resultado<br />
<strong>de</strong> uma justificativa malfeita.<br />
126