digital - Comunidade Virtual de Antropologia
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Oscar Calavia Sáez<br />
Mas, afinal, o que tem em comum funcionários do estado e<br />
traficantes <strong>de</strong> excentricida<strong>de</strong>s? É importante não per<strong>de</strong>r <strong>de</strong> vista esse<br />
oxímoro.<br />
Observemos o programa –tão extenso- <strong>de</strong> um encontro nacional da<br />
Associação Brasileira <strong>de</strong> <strong>Antropologia</strong>, e veremos como a herança <strong>de</strong><br />
Nina Rodrigues continua eminentemente viva. É evi<strong>de</strong>nte que saíram<br />
<strong>de</strong> cena o lombrosianismo e o higienismo do mestre baiano, para dar<br />
lugar a uma linguagem que evita cuidadosamente o etnocentrismo.<br />
Mas permanece o interesse pelas políticas públicas, ou pelas reformas,<br />
numa esmagadora maioria <strong>de</strong> pesquisas aplicadas. Mesmo as pesquisas<br />
com povos que ainda nos resultam exóticos –a maior parte dos grupos<br />
indígenas- estão em boa parte dirigidas a uma gestão da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong><br />
que acena para o <strong>de</strong>vido re-or<strong>de</strong>namento do mapa multicultural do<br />
pais. A constante chamada ao engajamento faz que os antropólogos se<br />
encontrem engajados nas ativida<strong>de</strong>s do Estado. Enquanto isso, num<br />
canto relativamente mo<strong>de</strong>sto embora prestigioso, há uma etnologia<br />
que persiste no estudo <strong>de</strong> assuntos feéricos como o parentesco, ou o<br />
xamanismo.<br />
Ou seja, a <strong>Antropologia</strong> no Brasil, embora tenha mudado <strong>de</strong> teorias<br />
e <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ologia, é fiel ao quadro institucional com que Nina Rodrigues a<br />
inaugurou. Porém, observemos os textos em que os futuros<br />
antropólogos brasileiros vem a conhecer a história da sua disciplina: lá,<br />
o panorama se inverte, e po<strong>de</strong>ríamos ter alguma dificulda<strong>de</strong> em<br />
reconhecer o retratado no retrato. No princípio, po<strong>de</strong>mos ler, eram as<br />
ilhas distantes e as al<strong>de</strong>ias remotas, o encontro com o outro, Heródoto,<br />
Montaigne e Malinowski. Só muito <strong>de</strong>pois a antropologia quebrou esse<br />
habitus exotizante, <strong>de</strong>scobriu que o seu nativo podia andar muito mais<br />
por perto, e se <strong>de</strong>dicou ao estudo da própria socieda<strong>de</strong>.<br />
Há assim uma divergência entre nominadores e genitores. A<br />
antropologia brasileira, que <strong>de</strong>scen<strong>de</strong> em linha direta <strong>de</strong> Nina<br />
Rodrigues e do Marechal Rondon, benfeitores não perturbados pelo<br />
relativismo, não guarda os seus retratos na galeria, mas guarda sim o<br />
<strong>de</strong> Malinowski.<br />
Por quê isso? Bom, isso nos levaria a discutir a i<strong>de</strong>ologia do<br />
multiculturalismo, on<strong>de</strong> as reivindicações são mais bem sucedidas<br />
quando se apresentam enquanto reivindicações grupais expressas na<br />
linguagem da diferença; e essa diferença se encontra como caráter<br />
distintivo na etnologia, não na antropologia que a tomou emprestada.<br />
Mas bastaria isso para fazer conviver sob um mesmo teto? Os<br />
estudantes <strong>de</strong> antropologia não tem como evitar essa espécie <strong>de</strong><br />
matrimônio <strong>de</strong> conveniência que ocupa o espaço em que eles foram se<br />
formar: sairão <strong>de</strong>le como antropólogos, antropólogos-etnólogos,<br />
etnólogos-antropólogos sem po<strong>de</strong>r se <strong>de</strong>svencilhar das ambigüida<strong>de</strong>s<br />
<strong>de</strong> tal binômio. Mas é bom que saiba que sob essa mistura não muito<br />
bem homogeneizada encontram-se, no fundo, duas opções bem<br />
diferenciadas.<br />
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