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digital - Comunidade Virtual de Antropologia

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Esse obscuro objeto da pesquisa<br />

em si transforma a comunida<strong>de</strong> em questão numa espécie <strong>de</strong><br />

comunida<strong>de</strong>-padrão, um tipo i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> al<strong>de</strong>ia nor<strong>de</strong>stina, <strong>de</strong> subúrbio <strong>de</strong><br />

classe media ou <strong>de</strong> favela que podia ser pensado num contexto teórico<br />

que não vigora mais.<br />

A prática <strong>de</strong> alterar ou ocultar nomes individuais também foi mais<br />

comum do que é agora. Na medida em que ao sujeito que<br />

encontramos no campo é reconhecido um certo grau <strong>de</strong> co-autoria na<br />

nossa pesquisa, não faria sentido transforma-lo num ente anônimo. O<br />

numero dos que <strong>de</strong>sejam aparecer na pesquisa com nome e<br />

sobrenome e retrato po<strong>de</strong> ser tão alto como o dos que <strong>de</strong> modo<br />

nenhum querem ser citados. Obviamente o pesquisador <strong>de</strong>ve respeitar<br />

essas vonta<strong>de</strong>s, prévio esclarecimento da difusão que o trabalho terá e<br />

das conseqüências que po<strong>de</strong>riam advir <strong>de</strong>la (das que nem sempre o<br />

sujeito será consciente). E, havendo receio <strong>de</strong> que essas conseqüências<br />

sejam prováveis e negativas <strong>de</strong>ve dar priorida<strong>de</strong>, por própria iniciativa,<br />

ao ocultamento. Não é preciso dizer que o simples ocultamento do<br />

nome é uma precaução muito insuficiente e que, se o nível das<br />

conseqüências o exige é preciso tomar outros cuidados com a redação.<br />

Mas há uma outra indizibilida<strong>de</strong> que não é social, mas<br />

propriamente semântica. É evi<strong>de</strong>nte que ler ou ouvir a <strong>de</strong>scrição –para<br />

dar um exemplo extremo- <strong>de</strong> um funeral antropofágico não é a<br />

mesma coisa que presencia-lo ou, no limite, participar nele. Não é a<br />

mesma coisa ouvir falar <strong>de</strong> uma batalha corpo a corpo que presencia-la<br />

ou participar nela. Mas quê parte <strong>de</strong>ssa diferença é verda<strong>de</strong>iramente<br />

irredutível à comunicação convencional? Um pesquisador que tenha<br />

provado a ayahuasca, ou que tenha entrado em comunicação com os<br />

espíritos po<strong>de</strong>rá, se conta com uma capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> observação e dotes<br />

<strong>de</strong>scritivas maiores que as dos nativos (e apenas nesse caso), oferecer<br />

uma <strong>de</strong>scrição mais rica que a que obteria se, simplesmente, os<br />

entrevistasse. Mas, indo alem disso, ao que a experiência tem <strong>de</strong><br />

irredutível, o que dirá o etnógrafo <strong>de</strong>ssa experiência profunda e<br />

transformadora que não po<strong>de</strong> se reduzir a palavras? Dirá algo assim<br />

como: “todo o que eu diga não substituirá o que eu vivi; se queres<br />

saber, faz o mesmo que eu fiz”. Ou oferecerá um discurso evocador,<br />

sugerente, atmosférico, connotativo e inevitavelmente pouco preciso. O<br />

primeiro é função <strong>de</strong> guru. O segundo é literatura, <strong>de</strong> alta ou baixa<br />

qualida<strong>de</strong> (a <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r das habilida<strong>de</strong>s do etnógrafo, não da<br />

intensida<strong>de</strong> da sua experiência) e retórica <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong>, que coloca o<br />

autor muito por cima do leitor, quem nem sequer po<strong>de</strong>ria ace<strong>de</strong>r ao<br />

fundamental. A etnografia não é isso.<br />

As pesquisas intensas po<strong>de</strong>m ser <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> interesse, mas para<br />

avaliar esse interesse <strong>de</strong>vemos, em primeiro lugar, <strong>de</strong>scontar a sua<br />

parcela <strong>de</strong> indizibilida<strong>de</strong>. Depois <strong>de</strong>sse <strong>de</strong>sconto, nem sempre são<br />

esmagadoramente superiores a pesquisas mais convencionais. Às vezes<br />

po<strong>de</strong>m ficar muito abaixo <strong>de</strong>las.<br />

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