22.06.2015 Views

digital - Comunidade Virtual de Antropologia

digital - Comunidade Virtual de Antropologia

digital - Comunidade Virtual de Antropologia

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

Oscar Calavia Sáez<br />

está aí, ou se lhe impõe. As pessoas fazem coisas que lhe parecem<br />

<strong>de</strong>scabidas, ou <strong>de</strong>moram horas ou dias para fazer o que ele imagina<br />

questão <strong>de</strong> minutos, dão importância a questões que ele julga banais e<br />

rim da sua preocupação com outras. E isso acontece vinte e quatro<br />

horas por dia: está presente na sua infantilização mais ou menos<br />

explicita, ou seja, nas dificulda<strong>de</strong>s que encontra para realizar qualquer<br />

tarefa cotidiana, para se comunicar, para ser levado a serio. Ou,<br />

resumindo, na sua quase total perca <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong>: seus juízos<br />

intelectuais ou morais ficam <strong>de</strong> repente sem valor, a não ser esse valor<br />

imposto por sua condição <strong>de</strong> citadino, ou <strong>de</strong> acadêmico, ou <strong>de</strong> rapaz <strong>de</strong><br />

classe média, ou no limite <strong>de</strong> Homem Branco ou Mulher Branca; e o<br />

antropólogo/a nunca quer que o confundam com o Homem Branco ou<br />

a Mulher Branca, às vezes tem motivos suficientes para achar estranha<br />

essa i<strong>de</strong>ntificação, e mesmo se não os tem lhe pesa.<br />

Nessa situação <strong>de</strong>primente, o antropólogo esta preparado,<br />

finalmente, para perceber que po<strong>de</strong> se viver <strong>de</strong> modos muito<br />

diferentes, e que o exótico, visto <strong>de</strong> perto, é normal, inevitável, até um<br />

tédio eventualmente. É um modo pessimista <strong>de</strong> conta-lo, mas talvez<br />

seja o mais efetivo. Provavelmente não seja necessário que a<br />

antropologia se pratique nessas ilhas e al<strong>de</strong>ias distantes, mas é difícil<br />

pensar que pu<strong>de</strong>sse ter nascido em outro lugar, como pesquisa em que<br />

outro modo <strong>de</strong> viver se faça não apenas concebível, mas se imponha<br />

corpo a corpo. Enten<strong>de</strong>r que certas pessoas acreditem na ação dos<br />

espíritos ao seu redor não é o mesmo que viver entre pessoas que o<br />

fazem e <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r <strong>de</strong>las: é numa circunstância como essa on<strong>de</strong> po<strong>de</strong> se<br />

empreen<strong>de</strong>r genuinamente uma comparação.<br />

Na verda<strong>de</strong>, não é preciso viajar muito longe para encontrar essa<br />

iniciação ao saber antropológico; a diferença é o melhor distribuído<br />

dos atributos humanos, e a ascese não será menor numa favela, numa<br />

ca<strong>de</strong>ia, num terreiro <strong>de</strong> candomblé, sempre que durante a sua pesquisa<br />

o etnógrafo viva nesses lugares. Isso nem sempre é possível, nem<br />

tentador, e o pesquisador buscará modos <strong>de</strong> graduar sua exposição a<br />

esse modo espinhoso <strong>de</strong> viver que os outros têm. Em geral, a pesquisa<br />

fora dos campos tradicionais, e sobretudo a pesquisa urbana, costuma<br />

ser uma pesquisa <strong>de</strong> imersão limitada, on<strong>de</strong> o pesquisador convive<br />

com seus nativos um certo número <strong>de</strong> horas ao dia, mas mantém para<br />

si algum espaço próprio. Isso, na verda<strong>de</strong>, acontece mesmo na al<strong>de</strong>ia<br />

mais remota, on<strong>de</strong> o pesquisador sempre se procurará um refúgio<br />

familiar, nem que seja <strong>de</strong>ntro da sua tenda ou do seu mosquiteiro, com<br />

alguns livros ou um rádio; ou mesmo numa casa razoavelmente<br />

confortável facilitada pela FUNAI ou por alguma ONG. Não é<br />

necessário exagerar anunciando os efeitos semi-miraculosos do<br />

<strong>de</strong>senraizamento, o <strong>de</strong>paysement como dizem os franceses ou os<br />

anthropological blues dos que falou Roberto da Matta para admitir<br />

que todo esse difícil périplo é muito eficaz para cancelar idéias<br />

preconcebidas e cria um espaço <strong>de</strong> incerteza <strong>de</strong> on<strong>de</strong> po<strong>de</strong>m surgir<br />

inspirações importantes. Uma pesquisa que prescinda do<br />

<strong>de</strong>senraizamento, on<strong>de</strong> o pesquisador consiga continuar sua vida<br />

cotidiana entremeada <strong>de</strong> encontros bem <strong>de</strong>limitados com o nativo, é<br />

-<strong>de</strong>ve ser- mais difícil, e exige um esforço <strong>de</strong> imaginação muito maior.<br />

136

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!