digital - Comunidade Virtual de Antropologia
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Oscar Calavia Sáez<br />
Cadê as imagens?<br />
É fácil notar, em todo o que foi dito até agora, que o autor é um<br />
antropólogo verbal, ou por usar um termo mais marcado, logocéntrico.<br />
Até o ponto <strong>de</strong> que só neste momento, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> falar <strong>de</strong> <strong>de</strong>scrição e <strong>de</strong><br />
relato, já no final <strong>de</strong> não se sabe quantas páginas, <strong>de</strong>ci<strong>de</strong> dizer alguma<br />
coisa a respeito <strong>de</strong> <strong>Antropologia</strong> Visual. E isso apesar <strong>de</strong> que entre os<br />
leitores potenciais <strong>de</strong>ste texto há sem dúvida muitos interessados nesse<br />
ramo da antropologia, às vezes <strong>de</strong> um modo prioritário.<br />
Isso acontece, simplesmente, porque o autor sabe muito pouco<br />
<strong>de</strong>sse ramo, e tem se mostrado sempre muito incompetente para<br />
produzir imagens etnográficas. É claro que isso não impe<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
reconhecer o valor das imagens, fotográficas, cinematográficas ou <strong>de</strong><br />
outro tipo; nem impe<strong>de</strong> usar em abundância a documentação gráfica<br />
ou a teorização gráfica <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma pesquisa. Por isso, as<br />
observações a seguir dizem respeito ao uso <strong>de</strong> imagens em teses<br />
verbais. Os especialistas em antropologia visual po<strong>de</strong>rão julgar até quê<br />
ponto são pertinentes na sua área específica.<br />
Para ser realista, <strong>de</strong>ve se dizer que a ciência –pelo menos, o tipo <strong>de</strong><br />
ciência que nos ocupa aqui-, é logocéntrica, e que as teses são verbais.<br />
Uma tese visual tem o mesmo tipo <strong>de</strong> problema que tem um retrato<br />
falado: tem que se transferir para o outro registro se quer funcionar<br />
como tal. Os requisitos canónicos <strong>de</strong> uma tese proce<strong>de</strong>m na sua<br />
totalida<strong>de</strong> do universo do discurso, <strong>de</strong> modo que nela todo é discurso<br />
ou remete a discurso, ou toma forma <strong>de</strong> discurso. Outra coisa é que<br />
esse logocentrismo avance em direção a um exclusivismo da palavra.<br />
De fato, tenho uma viva sensação <strong>de</strong> que, apesar da expansão da<br />
antropologia visual, a antropologia em seu conjunto tem se tornado<br />
mais verbal nos últimos <strong>de</strong>cênios, e isso, curiosamente, parece ir <strong>de</strong><br />
mãos dadas com o aprimoramento dos meios disponíveis. Os recursos<br />
do ví<strong>de</strong>o, que permitem a gravação simultânea <strong>de</strong> audio, tem ampliado<br />
as capacida<strong>de</strong>s da antropologia visual, mas ao mesmo tempo lhe fazem<br />
correr o perigo <strong>de</strong> se tornar, ela mesma, logocêntrica.<br />
Sobretudo quando o ambiente o favorece. Boa parte, se não toda a<br />
antropologia post-mo<strong>de</strong>rna e a antropologia atual é rigorosa e<br />
exclusivamente verbal. Em comparação com ela, a antropologia que se<br />
publicava dos anos vinte aos anos sessenta conferia mais conteúdos à<br />
imagem, mesmo que ela se concretizasse em fotografias mal impressas<br />
ou <strong>de</strong>senhos a bico <strong>de</strong> pena. James Clifford comentava com um certo<br />
<strong>de</strong>sprezo os <strong>de</strong>senhos <strong>de</strong>sse tipo que aparecem na etnografia <strong>de</strong><br />
Clastres sobre os Guayaqui, e que já na sua época tinham um certo<br />
sabor vintage. Mas o mesmo fato <strong>de</strong> preparar <strong>de</strong>senhos, a partir <strong>de</strong><br />
fotografias ou <strong>de</strong> esboços <strong>de</strong> campo, indicava então uma confiança na<br />
especificida<strong>de</strong> da comunicação mediante imagens. Custo a reconhecer<br />
essa confiança –com as exceções <strong>de</strong> rigor- nas etnografias<br />
contemporâneas, on<strong>de</strong> as fotografias poucas vezes parecem<br />
preocupadas em algo que não seja, quiçá, tomar o relevo da velha<br />
retórica etnográfica:<br />
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