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digital - Comunidade Virtual de Antropologia

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Esse obscuro objeto da pesquisa<br />

Dizer que um autor x produz boas <strong>de</strong>scrições mas é teoricamente<br />

fraco é um enunciado em ultima instancia inepto. Se o autor é<br />

teoricamente fraco, suas <strong>de</strong>scrições não po<strong>de</strong>m ser excelsas. Como se<br />

sabe, isso foi dito muitas vezes <strong>de</strong> Malinowski, porque o livro teórico<br />

que uma vez chegou a escrever era pobre e redutor em comparação<br />

com suas etnografias. Mas já Levi-Strauss disse alguma vez, justa ou<br />

injustamente, que as <strong>de</strong>scrições <strong>de</strong> Malinowski não eram tão boas<br />

como é costume dizer. E, em sentido contrario, po<strong>de</strong> se dizer também<br />

que há muita mais –e melhor- teoria inscrita nas <strong>de</strong>scrições <strong>de</strong><br />

Malinowski que aquela que ele soube i<strong>de</strong>ntificar para escrever um<br />

livro teórico. Em qualquer caso, as suas <strong>de</strong>scrições e a sua teoria não<br />

po<strong>de</strong>riam ser avaliadas por separado.<br />

Do mesmo modo po<strong>de</strong> ser comovente que pesquisadores capazes <strong>de</strong><br />

elaborar boas <strong>de</strong>scrições não se sintam ao mesmo tempo capazes <strong>de</strong><br />

escrever sua teoria; em geral, eles pa<strong>de</strong>cem do síndrome <strong>de</strong> M.<br />

Jourdan, aquele personagem <strong>de</strong> Molière que um bom dia <strong>de</strong>scobriu<br />

que tinha passado a vida falando em prosa. Isso po<strong>de</strong>ria ser suficiente,<br />

embora seja bom para M. Jourdan saber algo da gramática que ele tem<br />

usado sem saber enquanto falava em prosa. A teoria evi<strong>de</strong>ntemente<br />

po<strong>de</strong> e ate as vezes <strong>de</strong>ve ser explicitada fora da <strong>de</strong>scrição, mas nunca se<br />

insistira o suficiente em que nessa expressão isolada da <strong>de</strong>scrição a<br />

teoria está agindo como auxiliar. Ajuda a <strong>de</strong>ixar mais claro, a<br />

comunicar melhor. Mas o lugar on<strong>de</strong> a teoria realmente reina é na<br />

<strong>de</strong>scrição, na organização dos dados, na escolha dos termos, na<br />

narrativa. Nunca é tar<strong>de</strong> para explicitar a teoria implícita numa boa<br />

<strong>de</strong>scrição. Reconstruir uma <strong>de</strong>scrição a partir <strong>de</strong> uma teoria explícita é<br />

o que não funciona.<br />

Declarações<br />

Seria muito suspeito que um autor falasse tanto sobre teorias em<br />

geral sem dizer nada sobre a sua, como se pairasse algumas centenas<br />

<strong>de</strong> metros acima do chão. Por isso, seria bom explicitar alguma coisa a<br />

respeito das filiações teóricas que confluem no modo em que, em<br />

capítulos a seguir, se falará em projeto <strong>de</strong> pesquisa, objeto <strong>de</strong> pesquisa,<br />

trabalho <strong>de</strong> campo, etc.<br />

Não é difícil i<strong>de</strong>ntificar essas filiações teóricas, porque estão <strong>de</strong>ntro<br />

<strong>de</strong> uma das linhas mais comuns na antropologia brasileira. Incluem<br />

aspectos recolhidos <strong>de</strong> rumos bem diferentes: uma herança lévistraussiana<br />

muito vasta, uma ênfase na etnografia, um certo empenho<br />

por insistir nas relações em <strong>de</strong>trimento dos termos, um interesse pela<br />

simetria entre pesquisador e nativo (mais que pelo “dialogo” como tal),<br />

uma atitu<strong>de</strong> reticente perante o universalismo e relativismo que<br />

po<strong>de</strong>ríamos chamar perspectivista, e uma opção ontológica pela<br />

diferença e a mudança (e não a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> e a permanência) como<br />

pano <strong>de</strong> fundo, o que se aproxima muito <strong>de</strong> uma antropologia<br />

“histórica” num sentido que já se explicou antes.<br />

Passando todo isso a nomes, posso reiterar aqui os que já aparecem<br />

citados ao longo do texto: Lévi-Strauss, Evans-Pritchard, Tar<strong>de</strong>, Viveiros<br />

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