22.06.2015 Views

digital - Comunidade Virtual de Antropologia

digital - Comunidade Virtual de Antropologia

digital - Comunidade Virtual de Antropologia

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

Esse obscuro objeto da pesquisa<br />

para escrever um livro. Em geral, quando o autor <strong>de</strong> uma tese se<br />

dispõe a escreve-la está convicto <strong>de</strong> sua capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> escrever<br />

qualquer coisa: tese, livro, romance ou poema épico. Essa confiança<br />

costuma diminuir à medida que o trabalho avança, e muitas vezes o<br />

autor, nos últimos meses, sente-se incapaz <strong>de</strong> escrever sequer uma tese.<br />

Por isso, na dúvida, ou no aperto, o mais aconselhável é aproveitar<br />

as convenções literárias da tese. Cabe <strong>de</strong> todos modos diferenciar entre<br />

uma pesquisa embutida num formulário-tese (que po<strong>de</strong> facilitar a<br />

tarefa <strong>de</strong> um autor com dons literários limitados) e um formulário-tese<br />

embutido <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma pesquisa, que limita o seu <strong>de</strong>senvolvimento<br />

às medidas e às formas convencionais ou que sustenta uma casca vazia.<br />

Ou seja, uma boa pesquisa <strong>de</strong>veria ser suscetível <strong>de</strong> se apresentar<br />

tanto como livro quanto como tese. Mas um bom pesquisador não é<br />

obrigatoriamente um mestre nessas duas formas.<br />

Uma tese não é a obra <strong>de</strong> uma vida<br />

Não o era mesmo naqueles tempos idos, quando as teses eram<br />

objetos raros, e os doutores uma minoria exígua. Poucos lembrarão<br />

que a tese <strong>de</strong> Karl Marx tratava da diferença entre a filosofia da<br />

natureza em Demócrito e Epicuro, ou a <strong>de</strong> Franz Boas sobre a cor da<br />

água do mar. A tese <strong>de</strong> Lévi-Strauss, sobre as estruturas elementares do<br />

parentesco, é uma peça fundamental em sua carreira, mas mesmo<br />

assim está longe <strong>de</strong> ser sua obra-prima.<br />

Uma pesquisa –especialmente quando, como na antropologia,<br />

implica <strong>de</strong> um modo muito pessoal o seu autor- é uma experiência<br />

muito ampla, da qual a tese não é senão um resultado parcial. A tese<br />

não precisa esgotar as relações do autor com o tema ou com as gentes<br />

que colaboraram na pesquisa (os “nativos”), nem a capacida<strong>de</strong> teórica<br />

do seu autor. A tese não é um Arca <strong>de</strong> Noé on<strong>de</strong> o pesquisador <strong>de</strong>va dar<br />

lugar a todo aquilo que foi relevante na sua pesquisa. Isso po<strong>de</strong> parecer<br />

um ponto pacifico, mas na pratica muitas teses numa chegam a<br />

navegar pela pretensão do seu autor <strong>de</strong> não escreve-la antes <strong>de</strong><br />

garantir que não fique em terra algo ou alguém.<br />

O imprescindível <strong>de</strong> uma tese é que ela faça função <strong>de</strong> dobradiça<br />

entre o processo <strong>de</strong> formação <strong>de</strong> um pesquisador e sua ativida<strong>de</strong><br />

posterior como tal. Que sua contribuição seja substantiva, gran<strong>de</strong>, até<br />

monumental, po<strong>de</strong> ser um horizonte, mas não é um requisito<br />

necessário, nem sequer necessariamente positivo. Com muita<br />

freqüência o empenho em dar um fecho <strong>de</strong> ouro à tese acaba sendo<br />

um índice <strong>de</strong> que o seu autor passará o resto da vida em <strong>de</strong>fesa<br />

perpétua <strong>de</strong> conclusões formuladas talvez prematuramente.<br />

Isso não significa, é claro, que o pesquisador <strong>de</strong>va se prevenir contra<br />

esse casamento indissolúvel escrevendo uma tese <strong>de</strong>ficiente; mas seu<br />

valor como pesquisador <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da sua capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> perceber<br />

diferencias entre a tese que elaborou e os seus caminhos posteriores.<br />

87

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!