digital - Comunidade Virtual de Antropologia
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Oscar Calavia Sáez<br />
positivas sobre o lugar da antropologia no campo científico já se<br />
manifestam há anos e não mostram sinais <strong>de</strong> cansaço.<br />
Diga-se que o otimismo não é necessariamente a tônica geral. Na<br />
França, o lugar da antropologia na aca<strong>de</strong>mia e na universida<strong>de</strong> –que já<br />
foi muito mais eminente- está sendo <strong>de</strong>safiado por essas crises. Afinal,<br />
por quê a antropologia, uma ciência <strong>de</strong>dicada ao Outro, a <strong>de</strong>cifrar o<br />
Outro, seria necessária quando o Outro (em forma <strong>de</strong> minorias étnicas<br />
ou <strong>de</strong> outro tipo) não está mais nem distante nem mudo, quando o<br />
Outro sabe já falar as línguas do Oci<strong>de</strong>nte e da Aca<strong>de</strong>mia, e <strong>de</strong> fato<br />
reivindica falá-las por si mesmo, sem a colaboração <strong>de</strong> intermediários?<br />
Na Espanha, circunstâncias muito parecidas às que ameaçam a<br />
<strong>Antropologia</strong> na França ajudaram recentemente a promove-la à<br />
condição <strong>de</strong> grau universitário: a antropologia se faria necessária<br />
precisamente pela necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> intermediação com contingentes <strong>de</strong><br />
migrantes mais recentes e menos integrados.<br />
Ou seja, os motivos alegados para a <strong>de</strong>cadência, ou para o<br />
<strong>de</strong>sabrochar, ou para o auge, são sempre os mesmos. Ou pertencem,<br />
digamos, à mesma episteme: globalização, interdisciplinarieda<strong>de</strong>,<br />
multiculturalida<strong>de</strong>, fragmentação, e afloramento <strong>de</strong> todo tipo <strong>de</strong><br />
disjuntivas que não aspiram à síntese.<br />
A crise da antropologia seria assim uma conseqüência inevitável <strong>de</strong><br />
sua fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> a um mundo que gosta <strong>de</strong> -como dize-lo?- sentir-se em<br />
crise.<br />
Indisciplina construtiva<br />
A antropologia não é uma ciência normal –um conjunto pacificado<br />
<strong>de</strong> protocolos <strong>de</strong> pesquisa, teorias, critérios <strong>de</strong> verificação, etc.- sem ser,<br />
ainda menos, uma ciência revolucionária no sentido que Kuhn <strong>de</strong>u ao<br />
termo. O pós-mo<strong>de</strong>rnismo seguiu ao estruturalismo que seguiu ao<br />
funcionalismo que seguiu ao evolucionismo, sem impedir que haja,<br />
ainda hoje, antropólogos estruturalistas, funcionalistas ou<br />
evolucionistas (às vezes convivendo <strong>de</strong>ntro duma mesma pessoa física).<br />
Um paradigma não refuta, nem substitui totalmente o anterior, como<br />
aconteceria nas ciências revolucionarias; simplesmente se coloca ao<br />
lado <strong>de</strong>le, tentando sobressair (algo mais, no entanto, será dito em<br />
outro capítulo sobre esta questão).<br />
Seria, já que não revolucionária, rebel<strong>de</strong>? Na antropologia, os<br />
paradigmas teóricos convivem pacificamente –com a ajuda <strong>de</strong> uma<br />
consi<strong>de</strong>rável indiferença mútua- em lugar <strong>de</strong> pelejar pelo predomínio.<br />
A antropologia não tem um sentido linear, cumulativo: a criação <strong>de</strong><br />
novos objetos é mais significativa que a <strong>de</strong> novas teorias; as sínteses<br />
não são necessariamente melhores que a proliferação <strong>de</strong> análises<br />
locais; as filiações teóricas classificam muito menos que os campos<br />
temáticos, ou que as genealogias acadêmicas. Todo isso sugere uma<br />
magnífica <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>m, ou uma rebeldia libertária.<br />
Mas há algo <strong>de</strong> excepcional nessa <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>m: nesse universo <strong>de</strong> clãs,<br />
micrópolis, seitas, escolas, linhagens e tribos que entrelaçam os seus<br />
limites, dificilmente se encontram disputas <strong>de</strong> fronteira. Quase não há<br />
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