digital - Comunidade Virtual de Antropologia
digital - Comunidade Virtual de Antropologia
digital - Comunidade Virtual de Antropologia
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
Esse obscuro objeto da pesquisa<br />
diferente. Ela valida as nossas intuições, trazendo-lhes aliados<br />
imprevistos. É um recurso ornamental, mas é um ornamento eficaz,<br />
entre outras coisas para avaliar o sucesso da nossa tentativa: se há eco,<br />
é porque alguma coisa foi dita (isso não é pouca coisa).<br />
É claro que o uso <strong>de</strong> epígrafes po<strong>de</strong> ser brilhante ou torpe. A pior<br />
torpeza é a <strong>de</strong> escolher uma epígrafe que guarda uma relação<br />
<strong>de</strong>masiado óbvia com o que é dito no texto. Como regra, as autorida<strong>de</strong>s<br />
do campo ao qual pertence a tese não costumam ser boas para<br />
epígrafes, a não ser que <strong>de</strong>sencabemos na sua obra alguma frase que a<br />
primeira vista não pareça sua. Colocar em epígrafe alguma proposição<br />
consagrada no mesmo campo <strong>de</strong> estudos que estamos cultivando é<br />
como recitar o credo. No extremo oposto, a epígrafe po<strong>de</strong> ser também<br />
contraproducente quando uma relação improvável acaba se reduzindo<br />
a uma relação não provada: a que veio mesmo aquela frase <strong>de</strong><br />
Guimarães Rosa ou <strong>de</strong> Fernando Pessoa?<br />
A orientação<br />
O sistema universitário brasileiro –que não é, neste sentido, exceção<br />
mas talvez sim excesso- ten<strong>de</strong> a concentrar no orientador um número<br />
cada vez maior <strong>de</strong> funções. No limite, po<strong>de</strong>m chegar a <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r <strong>de</strong>le o<br />
<strong>de</strong>senho e a direção da pesquisa, o controle da qualida<strong>de</strong> das teses, a<br />
coor<strong>de</strong>nação <strong>de</strong> laboratórios, a administração e a prestação <strong>de</strong> contas<br />
dos financiamentos... Os programas <strong>de</strong> pós-graduação, as agências<br />
financiadoras, as bancas examinadoras e as fundações <strong>de</strong> apoio à<br />
pesquisa são titulares <strong>de</strong> boa parte <strong>de</strong>stas funções, mas quase sem<br />
exceção tomam as suas <strong>de</strong>cisões referendando o que o orientador<br />
escreve e algum dos inúmeros pareceres que lhe são pedidos. É obvio<br />
que nem todos os orientadores são igualmente dotados pela natureza<br />
para realizar todas estas funções ao mesmo tempo, e <strong>de</strong> fato o mais<br />
verossímil é que sejam muito hábeis para algumas <strong>de</strong>las na proporção<br />
em que são inábeis para as outras. Embora a instituição tenda a<br />
consi<strong>de</strong>rar todos os orientadores iguais –mais exatamente, distribuídos<br />
mais acima ou mais abaixo numa única escala hierárquica- a verda<strong>de</strong> é<br />
que não há um orientador igual a outro. Uma boa escolha <strong>de</strong><br />
orientador po<strong>de</strong> significar muito, às vezes po<strong>de</strong> significar quase tudo,<br />
para uma pesquisa ou para um pesquisador. Mas em geral essa escolha<br />
costuma ser feita quase às cegas, e dificilmente po<strong>de</strong>ria ser <strong>de</strong> outro<br />
modo, até porque muito alem <strong>de</strong> atributos mais ou menos visíveis ou<br />
mensuráveis –qualida<strong>de</strong> e quantida<strong>de</strong> da sua produção, relevância do<br />
seu grupo <strong>de</strong> pesquisa, etc.- há todo um vasto campo subjetivo que,<br />
numa relação intensa como costuma ser a <strong>de</strong> orientação, po<strong>de</strong>m<br />
acabar sendo mais <strong>de</strong>terminantes que quaisquer outros.<br />
Mas se é muito difícil recomendar modos <strong>de</strong> acertar, pelo menos é<br />
possível dizer algo que evite erros muito crassos. Para isso po<strong>de</strong> ser útil<br />
uma tipologia que aqui organizarei em torno a uma série <strong>de</strong><br />
polarida<strong>de</strong>s. A única polarida<strong>de</strong> que evitarei será a que haveria entre<br />
um bom e um mau orientador: não há orientador tão bom que não<br />
105