digital - Comunidade Virtual de Antropologia
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Oscar Calavia Sáez<br />
que po<strong>de</strong>m fazer os entomólogos, e assim não po<strong>de</strong>m se apoiar nelas<br />
para alterar seu comportamento, enquanto é obvio que os seres<br />
humanos conhecem, direta o indiretamente, as teorias dos humanistas<br />
e têm um malvado prazer em <strong>de</strong>smenti-las. A vida política está<br />
composta, entre outras coisas, <strong>de</strong> teorias sobre a vida política; e ser pai<br />
nunca mais foi a mesma coisa <strong>de</strong> Freud pra cá. O que faz parte per<strong>de</strong> a<br />
possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> espelhar. Se agora po<strong>de</strong>mos predizer com exatidão o<br />
<strong>de</strong>stino do Império Romano não é só porque ele tenha já acontecido,<br />
mas sobretudo porque os romanos (aquele romanos) não estão mais aí<br />
para trapacear.<br />
Em resumo, não importa quão longe chegue a exatidão das ciências<br />
exatas, elas continuarão ro<strong>de</strong>adas <strong>de</strong> ciências inexatas. Não importa<br />
quão longe possam chegar as ciências humanas na sua formalização,<br />
elas continuarão se referindo a um universo que conhecemos, e nos<br />
interessa o suficiente como para querer saber <strong>de</strong>le mesmo que seja por<br />
intuições ou rumores. De fato, os humanos nunca confiarão em<br />
exclusiva seu conhecimento dos humanos a uma ciência, humana ou<br />
exata: continuarão usando sua experiência informal, suas crenças, seus<br />
preconceitos, suas intuições. E, <strong>de</strong> vez em quando, ouvirão também o<br />
que lhes dizem as ciências humanas. É importante que, para isso, as<br />
ciências humanas guar<strong>de</strong>m essa particularida<strong>de</strong> científica que as<br />
diferencia <strong>de</strong> outros saberes informais; ou seja, que sejam ciências<br />
mesmo. Não é tão difícil.<br />
Terceira discussão<br />
Popper e Wittgenstein nasceram no Império Austrohúngaro, o que<br />
da uma i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> quão antigos são. Feyerabend já nasceu na República<br />
Austríaca, em 1924, mas nos <strong>de</strong>ixou ainda no século passado, em 1994.<br />
Kuhn, americano, foi o último a <strong>de</strong>saparecer, em 1996. Isso po<strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar<br />
a suspeita <strong>de</strong> que, pese a todo o que foi dito nos parágrafos anteriores,<br />
alguma coisa mais recente aconteceu que tornou a palavra “ciência”<br />
muito ina<strong>de</strong>quada para um texto que pretenda falar sério <strong>de</strong><br />
antropologia. Será que o autor <strong>de</strong>ste manual não ficou sabendo?<br />
Vejamos. Muito mais recente que todos esses autores é o livro <strong>de</strong><br />
John Law “After Method. Mess in social science research”, escrito na<br />
esteira das i<strong>de</strong>ias <strong>de</strong> Bruno Latour e dos estudos em ciência e<br />
tecnologia, e que resume bem o nosso dilatado ceticismo a respeito da<br />
certeza científica.<br />
Nas páginas 23 a 25 <strong>de</strong>sse livro encontra-se uma espécie <strong>de</strong> teste do<br />
grau que essa certeza atinge num <strong>de</strong>terminado sujeito. Certo, o autor<br />
não o enuncia a modo <strong>de</strong> teste, mas seria fácil transforma-lo num teste:<br />
-Você acredita que há algo -uma realida<strong>de</strong>, digamos- logo<br />
aí?<br />
-Você acredita que esse algo existe in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente da<br />
nossa ação e da nossa percepção?<br />
-Você acredita que esse algo, ou essa realida<strong>de</strong> externa<br />
está composta por um conjunto <strong>de</strong>finido <strong>de</strong> relações?<br />
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