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digital - Comunidade Virtual de Antropologia

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Oscar Calavia Sáez<br />

Toda essa confusão <strong>de</strong>ixa clara pelo menos uma coisa: o que o teste<br />

é capaz <strong>de</strong> medir, o que o livro <strong>de</strong> John Law põe em questão, o que a<br />

história intelectual recente tem posto em dúvida, o que nada -a não ser<br />

uma Fe obsoleta e comovedora- po<strong>de</strong>ria resgatar <strong>de</strong>ssa dúvida, é uma<br />

ontologia positivista. Uma série <strong>de</strong> convicções ou pressupostos a<br />

respeito da realida<strong>de</strong> que cem ou duzentos anos atrás tinham ampla<br />

audiência.<br />

Mas a ontologia não é ciência, é um outro tipo <strong>de</strong> saber. Se uma<br />

ontologia positivista acasalou-se dois séculos atrás com uma<br />

epistemologia positivista, isso não obriga a que uma ontologia cética<br />

tenha que recorrer a uma epistemologia do seu mesmo clã. Já que a<br />

realida<strong>de</strong> é, ao que parece, confusa, <strong>de</strong>veríamos <strong>de</strong>dicar-lhe, como já<br />

alguém sugeriu, <strong>de</strong>scrições confusas? É uma opção, como é uma<br />

opção retratar uma maçã <strong>de</strong> modo que seja fiel em todo à maçã<br />

propriamente dita: mas com isso teremos, apenas, uma segunda maçã,<br />

que além <strong>de</strong> tudo não será comestível.<br />

A ciência, <strong>de</strong> fato, foi construída com a convicção <strong>de</strong> que o que ela<br />

dizia era o retrato fiel <strong>de</strong> uma realida<strong>de</strong> “logo aí” tão explícita e estável<br />

como ela, a ciência, pretendia ser. Já <strong>de</strong>u para ver que não, que a<br />

ciência é uma construção que, no melhor dos casos, se parece à<br />

realida<strong>de</strong> tanto como um jardim <strong>de</strong> Versalhes se parece à floresta<br />

amazônica; mesmo se ela se empenha em renunciar às linhas retas e<br />

às sebes bem podadas continuará a ser um jardim, construído por<br />

alguém. Resta ver se a jardinaria, ou a ciência, continuam tendo<br />

interesse <strong>de</strong>pois que nos livramos <strong>de</strong>sse modo <strong>de</strong>masiado esperançoso<br />

<strong>de</strong> ve-las.<br />

Ou seja: tal como é aqui caraterizada, a pretensão <strong>de</strong> fazer ciência é<br />

in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte da convicção <strong>de</strong> que a realida<strong>de</strong> está aí bem organizada e<br />

quieta para que a retratemos com fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong>. A pretensão <strong>de</strong> fazer<br />

ciência consiste não mais que em seguir uma série <strong>de</strong> regras <strong>de</strong> jogo<br />

que permitam uma discussão e um <strong>de</strong>bate abertos. E isso não significa<br />

que os cientistas joguem sempre limpo; apenas que, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> algumas<br />

regras simples e gerais, é possível discutir sobre o jogo.<br />

Esse jogo é importante. Ou, pelo menos, o é se enten<strong>de</strong>mos que o<br />

<strong>de</strong>bate público é importante, ou seja, que no confronto entre posições e<br />

sujeitos po<strong>de</strong> mediar algo que não esteja compreendido nos atributos e<br />

as forças <strong>de</strong> cada sujeito: uma regra <strong>de</strong> jogo, no caso. A ciência tornouse,<br />

dois séculos atrás, um dos mediadores nesse <strong>de</strong>bate, junto com<br />

coisas como a moral, ou o direito; em parte se apropriou das funções<br />

que antes eram preenchidas pela religião. E com muita freqüência se<br />

apropriou <strong>de</strong>ssas funções não para um <strong>de</strong>bate público mas para uma<br />

imposição monológica, tornando-se num tipo <strong>de</strong> religião que continua,<br />

aliás, a ter muitos a<strong>de</strong>ptos.<br />

O ponto aqui é se cabe recuperar a ciência como uma mediadora do<br />

<strong>de</strong>bate ou é preferível consi<strong>de</strong>ra-la, como o humanismo pósmo<strong>de</strong>rnista<br />

propõe, como mais um discurso com pretensões<br />

hegemônicas. A rigor, esse ponto é ponto apenas para algumas<br />

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