22.06.2015 Views

digital - Comunidade Virtual de Antropologia

digital - Comunidade Virtual de Antropologia

digital - Comunidade Virtual de Antropologia

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

Esse obscuro objeto da pesquisa<br />

O seminário tem se generalizado como prática <strong>de</strong> ensino<br />

alternativa a esse cume do ensino autoritário que é a aula magistral. A<br />

forma seminário tem espaço para algumas modificações <strong>de</strong>sse<br />

esquema. Os textos po<strong>de</strong>m ser vários, eventualmente divergentes. O<br />

fragmento po<strong>de</strong> ser substituído por uma obra completa, que carregue<br />

informações mais amplas sobre o seu formulador e o seu contexto.<br />

Mas a diferença critica continua se estabelecendo entre a formaseminário<br />

e a forma aula magistral.<br />

A forma seminário é efetivamente muito rica em possibilida<strong>de</strong>s e<br />

aberta ao pluralismo e ao <strong>de</strong>bate. Mas seu prestigio é um tanto<br />

excessivo e acrítico. Para começar, não é tão nova assim. Uma das<br />

práticas mais comuns da universida<strong>de</strong> medieval era a leitura <strong>de</strong> textos<br />

canônicos seguida por uma disputatio: não da para preten<strong>de</strong>r que isso<br />

represente a antítese da autorida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma aula magistral.<br />

Na aula magistral, por magistral que seja, a autorida<strong>de</strong> está aí<br />

exposta, e não refugiada em algum lugar inatingível. O seminário, por<br />

muito <strong>de</strong>mocrático que se pretenda, po<strong>de</strong> ter efeitos contrários ao tirar<br />

do palco a autorida<strong>de</strong> para escon<strong>de</strong>-la no foro intimo do estudante:<br />

antes <strong>de</strong> expressar o que ele achou, talvez medite pru<strong>de</strong>ntemente se<br />

ele achou certo. O professor po<strong>de</strong> pôr suas opiniões na arena, mas tem<br />

também a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ir respon<strong>de</strong>ndo aos seus estudantes “não é<br />

bem isso que o texto quer dizer”, ou mesmo permanecer em silêncio<br />

com uma versão acadêmica da cara <strong>de</strong> poker.<br />

Isso não é abolição da autorida<strong>de</strong> magistral, e po<strong>de</strong> ser quase o<br />

contrário, se o professor não diz, antes ou <strong>de</strong>pois, o que pensa, e os<br />

alunos ficam entregues à tarefa <strong>de</strong> pensar o quê <strong>de</strong>veriam pensar. O<br />

seminário po<strong>de</strong> também escon<strong>de</strong>r o fato <strong>de</strong> que o mesmo docente não<br />

pense nada, ou apenas matute o quê <strong>de</strong>veria pensar; nada inverossímil,<br />

se ele foi também formado <strong>de</strong>ste modo.<br />

É verda<strong>de</strong> que existe um modo <strong>de</strong> ensino em que o docente se situa<br />

numa posição ao mesmo tempo provocativa e reativa, mas não<br />

enunciativa: é aquilo que Sócrates chamou <strong>de</strong> mayeútica, tomando o<br />

termo da arte da parteira, ou seja uma mulher que <strong>de</strong> preferência<br />

pariu alguma vez mas que provoca e ajuda o parto <strong>de</strong> outras sem por<br />

isso continuar parindo ela mesma in<strong>de</strong>finidamente. Longe <strong>de</strong> ser uma<br />

pratica muito <strong>de</strong>mocrática, a mayéutica confere ao docente um po<strong>de</strong>r<br />

semelhante ao do guru ou ao do iniciador, uma autorida<strong>de</strong> carismática<br />

que <strong>de</strong>ve fazer muito por merecer. De todos modos, na maior parte dos<br />

casos, acabamos sabendo o que Sócrates pensa. Sócrates ten<strong>de</strong> a se<br />

apresentar como um mestre ignorante; mas todos sabemos que em<br />

boa parte trata-se <strong>de</strong> um jogo <strong>de</strong> cena.<br />

A exigência <strong>de</strong> que o professor faca ouvir a sua voz é tão<br />

importante como a <strong>de</strong> que outras vozes sejam ouvidas. A rigor, é mais<br />

importante, porque nada impe<strong>de</strong> que, acabada a aula magistral, fora<br />

da sala <strong>de</strong> aula, outras opiniões <strong>de</strong>safiem a do mestre; o que não<br />

acontecerá se o mestre é imperscrutável. Perante a<br />

imperscrutabilida<strong>de</strong>, cabe ao estudante fazer como faria num<br />

confronto com o Homem Invisível: cada qual tem aí a sua tática<br />

97

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!