digital - Comunidade Virtual de Antropologia
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Oscar Calavia Sáez<br />
menores na concepção da pesquisa, mas quanto ao que aqui importa<br />
não se trata <strong>de</strong> opções diferentes, mas <strong>de</strong> um <strong>de</strong>slocamento do tipo<br />
fundo/forma (a zebra é um animal claro com raias pretas ou um<br />
animal preto com raias brancas?)<br />
O problema da pesquisa é esse mesmo enunciado organizado com<br />
um ponto-e-vírgula ou uma adversativa no meio. A diferença com o<br />
objeto <strong>de</strong> pesquisa está em que “objeto <strong>de</strong> pesquisa” remete a uma<br />
pesquisa <strong>de</strong> teor mais <strong>de</strong>scritivo e histórico, enquanto problema aponta<br />
para solução. Quando falamos em problema <strong>de</strong> pesquisa, é que<br />
esperamos um resultado centrado na formulação que <strong>de</strong>mos ao<br />
problema; quando falamos em objeto <strong>de</strong> pesquisa <strong>de</strong>ixamos uma<br />
abertura maior para o resultado, que po<strong>de</strong> acabar girando em torno <strong>de</strong><br />
um eixo diferente.<br />
Do problema <strong>de</strong> pesquisa po<strong>de</strong> se dizer quase todo o mesmo que se<br />
disse do objeto. Em particular, <strong>de</strong>ve se fazer notar que um problema <strong>de</strong><br />
antropologia social, evi<strong>de</strong>ntemente, não é o mesmo que um problema<br />
social. O alcoolismo dos homens, por exemplo, é um problema social,<br />
mas não é um problema teórico. É, no máximo, aquilo que antes<br />
chamávamos um tema <strong>de</strong> pesquisa. Mas po<strong>de</strong> dar lugar a um<br />
problema teórico numa formulação <strong>de</strong>ste tipo:<br />
“Na socieda<strong>de</strong> X o alcoolismo masculino é visto como um<br />
problema <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> pública que começa já na adolescência;<br />
no entanto, todas as políticas <strong>de</strong>dicadas a ele estão focadas<br />
nos homens adultos”.<br />
Ou <strong>de</strong>ste:<br />
“Os grupos <strong>de</strong> skinheads são vistos como uma reação das<br />
classes baixas e medias-baixas urbanas à inmigração; no<br />
entanto, eles tem uma presença marcante na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> X,<br />
on<strong>de</strong> a imigração é praticamente inexistente”<br />
É claro também que um problema <strong>de</strong> pesquisa não precisa tomar<br />
como tema um “problema social”. A palavra grega “problema”<br />
significa, aproximadamente, “obstáculo”, algo que foi lançado diante<br />
<strong>de</strong> nós, a estorvar o passo –da teoria consagrada- tanto faz se ele produz<br />
ou não dores <strong>de</strong> cabeça aos administradores:<br />
“A mímese como valor é vista habitualmente como uma<br />
peculiarida<strong>de</strong> da arte figurativa oci<strong>de</strong>ntal; no entanto, os<br />
artistas da tribo X, que produzem obras aparentemente<br />
abstratas, consi<strong>de</strong>ram o “parecido” como o critério principal<br />
<strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> seu trabalho”.<br />
Uma questão norteadora vem a ser algo assim como a<br />
transformação do problema teórico em interrogação: o quê suscita o<br />
surgimento <strong>de</strong> skinheads numa cida<strong>de</strong> com uma taxa <strong>de</strong> imigração<br />
insignificante? Por quê as políticas públicas contra o alcoolismo são<br />
dirigidas apenas aos homens em ida<strong>de</strong> adulta? Como a arte dos artistas<br />
da tribo X po<strong>de</strong> dar lugar a critérios <strong>de</strong> “parecido” que não são<br />
obviamente os da arte oci<strong>de</strong>ntal?<br />
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