digital - Comunidade Virtual de Antropologia
digital - Comunidade Virtual de Antropologia
digital - Comunidade Virtual de Antropologia
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
Oscar Calavia Sáez<br />
escandinava on<strong>de</strong> todo está previsto pela lei e os cidadãos nunca<br />
avançam no sinal fechado. Feyerabend, quiçá com mais respeito à<br />
realida<strong>de</strong>, a enten<strong>de</strong> como um mundo bastante caótico em que a lei<br />
não <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> existir, mas é sempre <strong>de</strong>finida ou re<strong>de</strong>finida a posteriori.<br />
Na pratica, não são atitu<strong>de</strong>s inconciliáveis, já que Popper situou o<br />
principio constitucional supremo –o da falseabilida<strong>de</strong>- sempre no final,<br />
e não no início da ativida<strong>de</strong> científica.<br />
O critério <strong>de</strong> cientificida<strong>de</strong> não equivale necessariamente a uma<br />
crença ingênua no saber positivo: ele po<strong>de</strong> ser um princípio invocado<br />
na disputa intelectual mesmo sabendo que ninguém o cumpre a<br />
contento.<br />
Segunda discussão<br />
Tratemos, então, do contun<strong>de</strong>nte porém vago divorcio entre<br />
ciências humanas e inumanas.<br />
É claro que se duvidamos entre fazer ciência ou fazer outra coisa,<br />
uma terceira via po<strong>de</strong> ser a <strong>de</strong> se conformar com a prática <strong>de</strong> uma<br />
ciência diferente, o que nos leva ao segundo ponto antes esboçado –o<br />
da necessária atualização dos divórcios.<br />
No tempo em que o positivismo clássico chegava ao seu auge,<br />
propôs-se uma legalida<strong>de</strong> in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte para as ciências humanas. Vale<br />
a pena notar que a distinção entre humanida<strong>de</strong>s e ciências exatas e<br />
naturais aparece na Alemanha no início do século XIX, com a reforma<br />
dos currículos universitários que possibilitou à universida<strong>de</strong> alemã sua<br />
li<strong>de</strong>rança no século XIX. Antes disso, não estaria tão claro que a<br />
matemática, por exemplo, fosse uma ciência menos humana que<br />
outras. A operação no seu conjunto visava <strong>de</strong>rrubar do trono do saber a<br />
teologia, sem por isso a abolir. A herança <strong>de</strong> Deus foi assim distribuída<br />
entre, <strong>de</strong> um lado, a objetivida<strong>de</strong> da natureza, e <strong>de</strong> outro a<br />
subjetivida<strong>de</strong> humana. Em torno <strong>de</strong>sta última se encontrava o campo<br />
específico das ciências humanas. Dito seja <strong>de</strong> passagem, a teologia,<br />
perdido o trono e o cetro, se refugiava precisamente no hiato entre o<br />
objetivo e o subjetivo.<br />
Muitos foram os formuladores <strong>de</strong>ssa diferença. Win<strong>de</strong>lband falou<br />
em ciências nomotéticas e ciências i<strong>de</strong>ográficas, Weber e Dilthey<br />
falaram em Ciências da Natureza e Ciências do Espírito; mais tar<strong>de</strong>,<br />
adotando um léxico anglo-saxão e intuitivo, temos vindo a falar em<br />
hard e soft sciences.<br />
Seja qual for o nome que lhes <strong>de</strong>mos, as primeiras <strong>de</strong>vem ser<br />
capazes <strong>de</strong> formalizar, enunciar regras e predizer. As segundas são<br />
saberes pouco formalizados, que se valem da linguagem comum e não<br />
da expressão matemática, parecem estar mais interessadas pelas<br />
<strong>de</strong>scrições que pelas regras, e vão atrás dos fatos sem conseguir<br />
antecipa-los.<br />
O binômio po<strong>de</strong> estar composto, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo dos gostos, <strong>de</strong> termos<br />
eqüipolentes ou hierarquizados. Em outras palavras, as ciências<br />
humanas e as naturais po<strong>de</strong>m ser ciências apenas diferentes. Mas<br />
po<strong>de</strong>m ser também <strong>de</strong>graus <strong>de</strong>siguais do saber.<br />
24