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digital - Comunidade Virtual de Antropologia

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Esse obscuro objeto da pesquisa<br />

Objeto<br />

A primeira vista, o objeto é o elemento mais simples <strong>de</strong> um projeto:<br />

po<strong>de</strong>ria se pensar que ele é escolhido pelo pesquisador entre os<br />

milhares <strong>de</strong> objetos que o mundo oferece.<br />

Mas toda a revisão crítica do positivismo leva a enten<strong>de</strong>r que isso<br />

não acontece assim: o objeto não está no mundo, mas na ciência, e<br />

cada pesquisa exige sua construção.<br />

Construir um objeto? Isso po<strong>de</strong> soar a <strong>de</strong>masiado construtivista, e<br />

alguém po<strong>de</strong>ria alegar que não lhe interessa a imaginação acadêmica<br />

mas o mundo real que está aí. Isso é enten<strong>de</strong>r mal a proposta:<br />

precisamente porque nos interessa um mundo real que está aí é que<br />

<strong>de</strong>vemos lembrar que o objeto é um elemento da ciência, que também<br />

está aí, no mundo real, e não fora <strong>de</strong>le.<br />

Nota importante: Boa parte dos receios a respeito do construtivismo<br />

vêm <strong>de</strong> que a construção civil, essa ativida<strong>de</strong> que lhe serve <strong>de</strong><br />

metáfora, é uma ativida<strong>de</strong> cada vez mais vil, em mãos <strong>de</strong> arquitetos,<br />

engenheiros, promotores imobiliários, especuladores e supostos<br />

urbanistas dignos <strong>de</strong> serem enviados às galés. Construir qualquer coisa<br />

em qualquer lugar com quaisquer materiais trazidos <strong>de</strong> qualquer<br />

canto, aproveitando a força <strong>de</strong> máquinas que arrasam o terreno e <strong>de</strong><br />

dinheiro que arrasa o resto é hoje o modo mais comum <strong>de</strong> construir, e<br />

a partir <strong>de</strong>ssa imagem é fácil que a idéia <strong>de</strong> “construir um objeto” <strong>de</strong><br />

pesquisa sugira uma frau<strong>de</strong>. Como não queremos aqui promover a<br />

frau<strong>de</strong>, a proposta <strong>de</strong> construir um objeto <strong>de</strong> pesquisa alu<strong>de</strong> a um<br />

modo muito diferente <strong>de</strong> construir: trata-se <strong>de</strong> construir algo que <strong>de</strong><br />

algum modo já estava aí. Não apenas nos seus materiais, aproveitados<br />

na medida do possível na forma e no tamanho em que se encontram,<br />

mas também na situação, nas condições e na orientação que o terreno<br />

sugere; também, é claro, aproveitando o conhecimento local. A<br />

construção do objeto no campo <strong>de</strong>ve ser uma construção, digamos,<br />

eminentemente ecológica.<br />

Assim, po<strong>de</strong>mos ir <strong>de</strong>scartando alguns não-objetos <strong>de</strong> pesquisa. Um<br />

objeto tangível –digamos, um chapéu, uma máquina ou um cachimbo<br />

cerimonial- não é um objeto <strong>de</strong> pesquisa. Um grupo, um fenômeno,<br />

um movimento social não são objetos <strong>de</strong> pesquisa. Uma idéia, uma<br />

obra <strong>de</strong> arte, uma epopéia ou a noção <strong>de</strong> mana não são objetos <strong>de</strong><br />

pesquisa.<br />

Po<strong>de</strong>m ser, sim, temas <strong>de</strong> pesquisa. Um tema não é um objeto, é a<br />

residência circunstancial <strong>de</strong> um objeto. Habitualmente, quando nos<br />

perguntam quê estamos pesquisando, respon<strong>de</strong>mos i<strong>de</strong>ntificando<br />

nosso tema, não nosso objeto.<br />

Com certeza, os nativos não são objetos, são sujeitos a cujas custas<br />

criamos objetos. Não se pesquisa os Nuer, não se pesquisa os balineses.<br />

Ou, como já disse Geertz, não pesquisamos al<strong>de</strong>ias, pesquisamos em<br />

al<strong>de</strong>ias. Não porque seja uma espécie <strong>de</strong> falta ética converter o outro<br />

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