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digital - Comunidade Virtual de Antropologia

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Esse obscuro objeto da pesquisa<br />

Os dados<br />

Acontece com os dados como acontece com o objeto: esse termo<br />

que usamos os faz parecer algo um pouco mais simples do que na<br />

verda<strong>de</strong> são. Falamos em colher dados, em coleta <strong>de</strong> dados. Os dados<br />

parecem assim como laranjas <strong>de</strong> um pomar que vamos pegando da<br />

árvore e colocando em cestos até <strong>de</strong>ixar as árvores limpas. Ou, pelo<br />

menos, limpas <strong>de</strong> bons frutos: não nos inquietaremos se <strong>de</strong>ixarmos lá<br />

frutos podres, bichados ou <strong>de</strong>masiado ver<strong>de</strong>s, mas nossa obrigação é<br />

coletar tudo que tenha algum valor.<br />

Essa imagem agrícola é problemática. Mais do que isso, é muito<br />

perigosa. Pior: é tóxica, e mais vale que tenhamos isso claro: colher<br />

dados não é como colher laranjas.<br />

Em primeiro lugar, porque os dados não estão dados, eles são<br />

produzidos na hora, sob encomenda, para a nossa pesquisa. Isso não<br />

chega a ser sequer um postulado construtivista. Ao falar do nativo, já<br />

comentamos como ele é um produtor <strong>de</strong> dados: se perguntamos, ele<br />

provavelmente <strong>de</strong>verá improvisar respostas a coisas que<br />

habitualmente não se perguntam. Mesmo quando se trate <strong>de</strong> respostas<br />

já prontas –muitas vezes a nossa curiosida<strong>de</strong> se dirige a questões que já<br />

foram levantadas por próprios ou estranhos, e que receberam alguma<br />

formulação padrão- ele as adaptará às circunstâncias. Mesmo se nada<br />

perguntamos, a nossa simples presença transforma qualquer ação em<br />

virtual dado, e o nosso interlocutor, que sabe que pesquisamos, será<br />

consciente disso, e sua ação terá pelo menos em parte um sentido <strong>de</strong><br />

ação para o pesquisador.<br />

E mesmo quando não contamos com esse intermediário, se nos<br />

baseamos na observação direta <strong>de</strong> um mercado, do estádio durante um<br />

jogo <strong>de</strong> futebol ou <strong>de</strong> um culto pentecostal –e em todos esses casos é<br />

evi<strong>de</strong>nte que essas centenas ou milhares <strong>de</strong> pessoas não estão lá para<br />

produzir dados para nós- os dados continuam sendo produzidos. Por<br />

nós, observadores. O mundo não está feito <strong>de</strong> dados, nem feito <strong>de</strong> teses,<br />

por muito que tenhamos nos acostumado a mirar ao nosso redor<br />

dizendo: isso aí parece um dado interessante, aquilo lá da uma tese.<br />

Deixemos bem claro algo que <strong>de</strong>veria se inferir do antes dito. Os<br />

dados <strong>de</strong> uma pesquisa etnográfica são os dados <strong>de</strong> uma pesquisa<br />

etnográfica. Isto é: se eu passo um ano no Morro da Mangueira<br />

pesquisando o Carnaval, o que levarei <strong>de</strong> volta ao meu gabinete não<br />

será um conjunto <strong>de</strong> dados do Carnaval, ou do Carnaval da Mangueira,<br />

senão um conjunto <strong>de</strong> dados sobre a pesquisa <strong>de</strong> um sujeito –eu<br />

mesmo- nesse lugar e sobre esse tema. Isso é simplesmente a<br />

conseqüência <strong>de</strong> reconhecer que o sujeito pesquisador está inserido na<br />

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