digital - Comunidade Virtual de Antropologia
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Esse obscuro objeto da pesquisa<br />
previamente- tem condições temporais diferentes; em geral usa prazos<br />
mais restritos que a etnográfica e com freqüência é rapidamente<br />
improvisada. Mas, sobretudo, persegue em média um tipo <strong>de</strong> dados<br />
diferente. Surpreen<strong>de</strong>r o entrevistado, cercar as respostas do<br />
entrevistado ou contra-argüí-las, obter do entrevistado <strong>de</strong>clarações que<br />
ele em princípio preferiria não fazer, po<strong>de</strong> ser quase sempre útil numa<br />
entrevista jornalística, e com freqüência será também eticamente<br />
justificável. Na entrevista etnográfica, essa pressão se justifica com<br />
mais dificulda<strong>de</strong>, e a sua utilida<strong>de</strong> é muito mais escassa.<br />
O qual não significa que a entrevista etnográfica, e a etnografia em<br />
geral, tenha que se opor constantemente e ponto-a-ponto ao<br />
jornalismo. E a chance que se da ao interlocutor para pensar o que ele<br />
vai falar na entrevista não <strong>de</strong>ve significar que o etnógrafo seja<br />
simplesmente um anotador <strong>de</strong> discursos oficiais. Surpreen<strong>de</strong>r o<br />
entrevistado po<strong>de</strong> ser necessário quando o tema da entrevista tem sido<br />
já objeto <strong>de</strong> uma elaboração minuciosa e se formula em termos<br />
padronizados.<br />
Um (ou vários) jornalista(s), anos atrás, elaboraram uma<br />
reportagem fingindo-se <strong>de</strong> católicos praticantes e acudindo a várias<br />
paróquias para confessar uma série <strong>de</strong> pecados que envolviam<br />
condutas estritamente reprovadas pela Igreja Católica: relações com<br />
pessoas do mesmo sexo, uso <strong>de</strong> anticonceptivos, aborto, etc. A resposta<br />
recebida dos padres confessores foi, em média, muito diferente da que<br />
se esperaria a partir da doutrina que oficialmente sustentam, mesmo<br />
nas questões mais problemáticas: condutas radicalmente con<strong>de</strong>nadas<br />
por aquela podiam ser, em muitos casos, consi<strong>de</strong>radas legítimas, ou<br />
legítimas em <strong>de</strong>terminadas condições. É evi<strong>de</strong>nte que uma entrevista<br />
explícita e formal teria obtido resultados muito diferentes, e é evi<strong>de</strong>nte<br />
também que uma pesquisa etnográfica não po<strong>de</strong> se permitir o luxo <strong>de</strong><br />
aten<strong>de</strong>r exclusivamente a discursos oficiais. Recursos como o utilizado<br />
pelos jornalistas nesse caso são, é claro, inaceitáveis na etnografia, mas<br />
precisamente a convivência mais prolongada que o trabalho <strong>de</strong> campo<br />
requer da alternativas para uma aproximação plural a qualquer<br />
questão.<br />
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