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digital - Comunidade Virtual de Antropologia

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Oscar Calavia Sáez<br />

<strong>de</strong> seu trabalho <strong>de</strong> campo ou <strong>de</strong> suas leituras. Mas essa modéstia, por<br />

muito louvável que seja renunciar àquele estilo do narrador onisciente<br />

que povoava a etnografia clássica, acaba muitas vezes por ser um<br />

escamoteamento. As citações <strong>de</strong> qualquer tipo po<strong>de</strong>m ser longas e<br />

abundantes, mas nunca <strong>de</strong>veriam invisibilizar o autor. Quando isso<br />

acontece, o autor estará fazendo como aqueles que compõem um texto<br />

próprio com palavras recortadas <strong>de</strong> um jornal, ou como um<br />

ventríloquo que atribui suas palavras a um boneco. Não po<strong>de</strong> se fazer<br />

<strong>de</strong> bonecos os autores ou os nativos citados, escon<strong>de</strong>ndo atrás <strong>de</strong> seus<br />

textos o papel <strong>de</strong> quem os seleciona e organiza. E se por ventura não<br />

houver atrás das citações essa mão invisível, se <strong>de</strong> fato o autor que<br />

assina a tese não contribuísse com sua seleção e organização, então<br />

estaríamos diante <strong>de</strong> algo que também não é recomendável: um plágio<br />

“branco”, não fraudulento mas igualmente plágio.<br />

Um exemplo pitoresco. Num limite que <strong>de</strong>veria nos <strong>de</strong>ixar<br />

perplexos –mas que <strong>de</strong> praxe aceitamos sem questionar- tem se feito<br />

bastante comum que o etnógrafo se refira ao valor ou ao peso da<br />

subjetivida<strong>de</strong> no campo, aos sentimentos, as emoções ou as sensações<br />

experimentadas no campo ou as relações pessoais travadas no campo, e<br />

que a seguir resolva essa questão com a citação <strong>de</strong> algum trecho<br />

famoso <strong>de</strong> Favret-Saada, Rabinow ou Crapanzano. Ora, não <strong>de</strong>veria ser<br />

necessário lembrar que, se uma subjetivida<strong>de</strong> é parte necessária da<br />

pesquisa, trata-se da subjetivida<strong>de</strong> do seu autor, não a <strong>de</strong> Favret-Saada.<br />

Algumas pessoas parecem não ser conscientes da piada involuntária<br />

em que incorrem ao terceirizar <strong>de</strong>sse modo a expressão <strong>de</strong> uma<br />

subjetivida<strong>de</strong> cujo valor fundamental estão postulando. Certo, Favret-<br />

Saada po<strong>de</strong> muito bem ser citada para referendar o papel concreto que<br />

a minha experiência subjetiva concreta teve nesta pesquisa concreta. Se<br />

essa experiência concreta po<strong>de</strong> ser eludida e substituída por outra será<br />

porque não tem esse papel.<br />

Devemos evitar que a autoria múltipla, ou a autoria compartilhada<br />

sejam modos <strong>de</strong> escapar à autoria fundamental <strong>de</strong> uma tese. Aliás<br />

porque essa fuga não é incompatível –pelo contrario, parece<br />

acompanhar-se regularmente- com uma avi<strong>de</strong>z incontrolada por<br />

proprieda<strong>de</strong> intelectual. A originalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma pesquisa não esta<br />

baseada em elementos inéditos ou inauditos, mas nesse tipo <strong>de</strong> autoria<br />

que não tem medo <strong>de</strong> reconhecer sua <strong>de</strong>pendência <strong>de</strong> outras vozes<br />

quando as volta a enunciar, tão autênticas como se nunca antes<br />

tivessem sido ditas.<br />

Seminário, mayéutica e autorida<strong>de</strong><br />

Essa elisão da autoria talvez em parte proceda <strong>de</strong> algumas práticas<br />

<strong>de</strong> ensino muito comuns. A cena é bem conhecida. Professor e alunos<br />

sentam, <strong>de</strong> preferência em círculo, com um texto fotocopiado ante os<br />

olhos. Assume-se –embora a prática esteja a uma variável distância<br />

<strong>de</strong>sse i<strong>de</strong>al- que todos eles leram. O professor então pergunta: “o que<br />

vocês acharam?”.<br />

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