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digital - Comunidade Virtual de Antropologia

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Esse obscuro objeto da pesquisa<br />

A antropologia e a história<br />

Se as relações entre antropologia e literatura tem sido vistas com<br />

suspeita, as que há entre antropologia e história tem aparecido como<br />

conseqüência natural cada vez que se <strong>de</strong>clarava a falência múltipla dos<br />

projetos <strong>de</strong> transformar a antropologia em ciência natural. A ocasião<br />

mais famosa em que isso aconteceu foi a Marett Lecture <strong>de</strong> 1950, em<br />

que Evans-Pritchard, criticando o projeto científico <strong>de</strong> Radcliffe-Brown<br />

–em que ele teve uma brilhante participação- propugnou um conceito<br />

histórico da antropologia.<br />

O quê isso quer dizer? Num sentido <strong>de</strong>masiado óbvio, o contencioso<br />

entre antropologia e história é entendido em torno da dimensão<br />

temporal. Ouviremos dizer muitas vezes que algumas escolas<br />

antropológicas têm ignorado, por método ou por algum outro<br />

<strong>de</strong>sígnio, o tempo. E que isso gera uma visão <strong>de</strong>turpada e congelada<br />

dos outros. Assim, frente a uma antropologia a-histórica, que abandone<br />

os seus nativos num presente etnográfico já remoto, ou que os reduça<br />

a estruturas imperecedouras, po<strong>de</strong> se reivindicar uma antropologia<br />

histórica, que leve em consi<strong>de</strong>ração a passagem do tempo, que recorra<br />

<strong>de</strong>vidamente à documentação e que registre as mudanças, ou até as<br />

escolha como tema principal.<br />

Mas essa é apenas uma camada superficial do tema. A<br />

particularida<strong>de</strong> da história não está na dimensão temporal, mas na<br />

economia teórica. A história é, <strong>de</strong> todas as ciências, aquela em que o<br />

resultado legítimo da pesquisa está mais perto do caos.<br />

Voltemos um pouco atrás.<br />

A i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>de</strong> qualquer ciência oscila entre a informação que<br />

fornece e a or<strong>de</strong>m a que a submete. Num extremo, uma exposição<br />

muito or<strong>de</strong>nada <strong>de</strong> uma informação nula, cai na tautologia. No outro<br />

extremo, a abundância <strong>de</strong> informação sem or<strong>de</strong>m forma apenas uma<br />

balbúrdia incompreensível.<br />

A maior parte das ciências se situa em algum ponto intermediário<br />

ao longo do contínuo entre estes dois pólos. A matemática está no pólo<br />

extremo da or<strong>de</strong>m, à beira do tautológico. O que os matemáticos<br />

exploram são proprieda<strong>de</strong>s da or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> uns dados que já estão dados;<br />

suas <strong>de</strong>scobertas se produzem por <strong>de</strong>dução, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>sse universo. A<br />

história, certamente, situa-se no outro extremo. Um historiador po<strong>de</strong>,<br />

sim, traçar gran<strong>de</strong>s esquemas da sua disciplina, mas po<strong>de</strong> estar<br />

cumprindo a contento a sua função quando se empenha, pelo<br />

contrario, em <strong>de</strong>struir esses esquemas com a ajuda <strong>de</strong> novas<br />

informações que ele <strong>de</strong>sencabou <strong>de</strong> algum arquivo. De fato, um<br />

historiador que não contribua com informações originais não chegará<br />

a ser reconhecido como um historiador “<strong>de</strong> raça” e po<strong>de</strong>rá ser,<br />

digamos, chutado para acima, como um filosofo da historia.<br />

Entre a irredutibilida<strong>de</strong> dos dados e a sua redução à or<strong>de</strong>m e os<br />

esquemas, o historiador se situa mais perto do primeiro que nenhum<br />

outro cientista. Num sentido histórico, um mesmo elemento não<br />

permanece igual a si mesmo: o tempo é uma sucessão <strong>de</strong> diferenças e<br />

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