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digital - Comunidade Virtual de Antropologia

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Esse obscuro objeto da pesquisa<br />

“O senhor, é claro, nunca experimentou antes o babuíno<br />

em cocotte com bananas ao estilo <strong>de</strong> Madagascar”<br />

“Não”<br />

“Então...”<br />

A fragmentação da antropologia em campos e temáticas muito<br />

diversos tem favorecido sua etnificação, em dois sentidos da palavra.<br />

De um lado, com a criação <strong>de</strong> escolas muito restritas em possessão <strong>de</strong><br />

vocabulários inacessíveis aos mortais que não passem pelos ritos<br />

iniciáticos a<strong>de</strong>quados. De outro, com a <strong>de</strong>marcação <strong>de</strong> campos da<br />

realida<strong>de</strong> –uma etnia ou um conjunto <strong>de</strong>las, uma minoria, uma<br />

religião- monopolizadas por uma única tradição <strong>de</strong> estudos que acaba<br />

mantendo um vocabulário e uma agenda idiossincrásicas com pouca<br />

comunicação com o exterior.<br />

As cozinhas éticas<br />

Não serei eu quem ponha em questão as possibilida<strong>de</strong>s da cozinha<br />

vegetariana, veganista, macrobiótica, etc.; são os seus próprios a<strong>de</strong>ptos<br />

os que, com freqüência, as relegam à margem. Os vegetais oferecem<br />

uma maravilhosa gama <strong>de</strong> sabores, aromas, e texturas, e não há coisa<br />

mais apetitosa que uma boa horta; mas é raro que os seus partidários<br />

procurem tentar pelo paladar. Preferem apelar à saú<strong>de</strong> (a própria do<br />

comensal ou a do planeta em geral), ou invocar o horror que supõe<br />

engolir a carne e a banha <strong>de</strong> cadáveres animais; ou preferem prometer<br />

que suas comidas favorecem uma evacuação cômoda.<br />

O resultado é que as cozinhas éticas ganham a<strong>de</strong>ptos e garantem<br />

seu bem-estar moral, mas às vezes acabam empurrando para o bando<br />

inimigo esse impulso hedonista que provavelmente ajudou a<br />

transformar a alimentação na base da cultura humana.<br />

Não precisa <strong>de</strong> muita imaginação para encontrar as semelhanças<br />

entre essa cozinha movida a remorsos e as <strong>de</strong> uma pesquisa<br />

monopolizada pelas suas condições éticas. Algumas variantes do pósmo<strong>de</strong>rnismo<br />

tem impulsionado uma antropologia profundamente<br />

moral <strong>de</strong>dicada, por exemplo, a limpar <strong>de</strong> preconceitos exotizantes<br />

nossa visão <strong>de</strong> uns nativos que também são, por sua vez,<br />

profundamente morais. Mesmo que o jejum seja, em si, uma pratica<br />

interessante, caberia duvidar <strong>de</strong> uma cozinha que consi<strong>de</strong>rasse o jejum<br />

como a cúspi<strong>de</strong> do saber culinário.<br />

Nouvelle Cuisine<br />

A “antropologia como etnografia” é mais ou menos contemporânea<br />

da nouvelle cuisine. O momento crítico <strong>de</strong>sta se da no mercado, on<strong>de</strong> o<br />

cozinheiro <strong>de</strong>verá comparecer, bem <strong>de</strong>sperto, para escolher seus<br />

ingredientes, com a mesma acuida<strong>de</strong> com que o etnógrafo afere no<br />

campo os seus dados e suas teorias etnográficas. A elaboração enfrenta<br />

<strong>de</strong>pois um <strong>de</strong>safio consi<strong>de</strong>rável: trata-se <strong>de</strong> que os diversos<br />

ingredientes sejam combinados sem que haja uma perda dos seus<br />

valores iniciais, <strong>de</strong> seus sabores e texturas diferenciadores, e que no<br />

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