22.06.2015 Views

digital - Comunidade Virtual de Antropologia

digital - Comunidade Virtual de Antropologia

digital - Comunidade Virtual de Antropologia

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

Esse obscuro objeto da pesquisa<br />

etnográfico <strong>de</strong>saparecerá quando passe das raias do indizível. Isso não<br />

significa que o pesquisador <strong>de</strong>va se <strong>de</strong>ter antes <strong>de</strong>ssas raias: só que ele<br />

não po<strong>de</strong>rá contar com esse indizível como um dado ou como um<br />

valor <strong>de</strong> sua pesquisa.<br />

Há várias modalida<strong>de</strong>s do indizível. A mais obvia é a da<br />

indizibilida<strong>de</strong> social, que se compõe <strong>de</strong>sses fatos que não é licito ao<br />

etnógrafo revelar. Um mergulho profundo po<strong>de</strong> abrir ao pesquisador<br />

áreas sobre as quais mais ninguém sabe, seja porque pertencem a um<br />

domínio privado individual, seja porque são áreas socialmente<br />

<strong>de</strong>finidas como secretas. O pesquisador não po<strong>de</strong>rá revelar historias ou<br />

circunstâncias pessoais que lhe foram confiadas em secreto, nem<br />

po<strong>de</strong>rá revelar os secretos da tribo. Não é necessário explicar por quê,<br />

sobretudo numa época em que as publicações estão disponíveis em<br />

todo o planeta através da Internet.<br />

Mas há um motivo se quisermos mais profundo, e é que<br />

simplesmente, a revelação <strong>de</strong>strói semanticamente o secreto. O que da<br />

valor ao secreto é esse acordo social que faz <strong>de</strong>le secreto ou mistério, às<br />

vezes mediante processos muito sofisticados. Fora <strong>de</strong>ssa complicada<br />

construção, que tem valor pleno apenas para os que estão em torno<br />

<strong>de</strong>la e compartilham suas convenções, aquilo que po<strong>de</strong>ria ser revelado<br />

carece <strong>de</strong> todo valor. Diga-se a mesma coisa <strong>de</strong> secretos muito mais<br />

profanos. A sexualida<strong>de</strong> é um dos terrenos em que a reserva e o<br />

secreto são mais vigorosos entre nós. No entanto é claro que ela se<br />

compõe <strong>de</strong> praticas que em si não tem nenhum mistério, e são<br />

conhecidas em primeira mão por quase todos. Mesmo suas<br />

manifestações mais incomuns são amplamente conhecidas. A<br />

pornografia é precisamente a exposição pública <strong>de</strong> práticas que num<br />

<strong>de</strong>terminado lugar são executadas em condições reservadas. Por isso,<br />

as representações ou registros <strong>de</strong> tortura, execuções capitais ou<br />

disecções <strong>de</strong> cadáveres estão numa categoria muito afim à da<br />

pornografia, e o mesmo acontece com ativida<strong>de</strong>s imensamente banais<br />

como as da excreção.<br />

A etnografia não po<strong>de</strong> ser pornografia –isto é, não é uma revelação<br />

do que as pessoas querem escon<strong>de</strong>r- pela simples razão <strong>de</strong> que a<br />

banalida<strong>de</strong> do que se escon<strong>de</strong> a tornaria banal.<br />

Esta digressão é necessária porque é comum encontrar<br />

pesquisadores preocupados pela impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> revelar<br />

informações às quais tiveram acesso, e que constituem aos seus olhos<br />

núcleos duros da pesquisa. Isso é um temor compreensível num<br />

principiante, mas que um mínimo <strong>de</strong> experiência <strong>de</strong>scarta. O<br />

verda<strong>de</strong>iramente oculto num secreto é invariavelmente, repito, um<br />

elemento insignificante. O que lhe da interesse é toda a organização da<br />

informação que o ro<strong>de</strong>ia, que pelo contrario costuma ser amplamente<br />

pública. Para citar dois exemplos muito clássicos, não há verda<strong>de</strong>iras<br />

reservas que o pesquisador <strong>de</strong>va respeitar e que afetem à pratica do<br />

adultério ou da feitiçaria na socieda<strong>de</strong> X. Muito pelo contrario,<br />

assuntos como esses costumam ser objetos freqüentes <strong>de</strong> <strong>de</strong>bate<br />

público e <strong>de</strong> relatos <strong>de</strong> ampla circulação que em geral só <strong>de</strong>ixam como<br />

matéria reservada a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> concreta das pessoas que os praticam,<br />

141

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!