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digital - Comunidade Virtual de Antropologia

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Oscar Calavia Sáez<br />

dos seus componentes vivem em casas com telhado <strong>de</strong> palha ou<br />

apartamentos unifamiliares, que os homens caçam e pescam e as<br />

mulheres se <strong>de</strong>dicam à agricultura e ao comércio, para aplicar<br />

<strong>de</strong>scrições mais <strong>de</strong>nsas apenas àqueles assuntos que suportam o nosso<br />

argumento. Mas isso é uma condição imposta pelas limitações <strong>de</strong><br />

espaço e tempo da pesquisa. A princípio, uma pesquisa etnográfica, um<br />

olhar etnográfico, <strong>de</strong>veria ser capaz <strong>de</strong> gerar <strong>de</strong>scrições <strong>de</strong>nsas <strong>de</strong><br />

virtualmente todos os aspectos da realida<strong>de</strong> pesquisada. A etnografia<br />

procura <strong>de</strong>sencabar um novo conjunto <strong>de</strong> relações entre os elementos,<br />

e essas novas relações se i<strong>de</strong>ntificam no nível da <strong>de</strong>scrição <strong>de</strong>nsa. No<br />

exemplo logo antes exposto, é muito provável que a divisão do<br />

trabalho por gêneros ou o mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> moradia tenham, uma vez<br />

especificados, um papel importante na vida política que estudamos, e<br />

que não é visível numa <strong>de</strong>scrição comum. Se apesar disso os tratamos<br />

ligeiramente é porque nos convencemos <strong>de</strong> que esse papel é menor e<br />

<strong>de</strong>snecessário para o nosso argumento.<br />

A <strong>de</strong>scrição <strong>de</strong>nsa é uma <strong>de</strong>scrição baseada na linguagem comum –<br />

embora reserve um espaço importante para o idioma nativo e para o<br />

léxico especializado. Voltando a um exemplo anterior, os nativos darão<br />

um nome, por exemplo gincann, a isso que os etnólogos chamam<br />

estojo peniano. Por dar outro exemplo, os a<strong>de</strong>ptos do candomblé<br />

falarão <strong>de</strong> axé para <strong>de</strong>notar aquilo que os antropólogos chamariam<br />

quiçá <strong>de</strong> “força mística”. Mas uma <strong>de</strong>scrição <strong>de</strong>nsa não po<strong>de</strong> se<br />

contentar com “gincann” ou “axé” nem com “estojo peniano” ou “força<br />

mística”: esses termos farão parte, necessariamente, <strong>de</strong>sse cuidadoso<br />

exame por <strong>de</strong>talhamento, comparação, variação e contraste que antes<br />

especificamos. Contra o que muitos po<strong>de</strong>m supor, uma <strong>de</strong>scrição<br />

etnográfica não é uma <strong>de</strong>scrição eivada <strong>de</strong> termos antropológicos<br />

especializados (ou <strong>de</strong> termos em línguas exóticas). Eu posso <strong>de</strong>spachar<br />

o sistema <strong>de</strong> parentesco <strong>de</strong> um povo <strong>de</strong>terminado dizendo, por<br />

exemplo, que é um sistema <strong>de</strong> tipo kariera com duas meta<strong>de</strong>s e<br />

i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong> gerações alternas, mas isso não é, evi<strong>de</strong>ntemente, um<br />

modo <strong>de</strong> a<strong>de</strong>nsar a <strong>de</strong>scrição, mas <strong>de</strong> passar batido sobre um assunto<br />

que não está <strong>de</strong>ntro do meu foco principal. Se estivesse, esses termos<br />

–“kariera”, “meta<strong>de</strong>s”, “gerações alternas”- <strong>de</strong>veriam entrar na<br />

<strong>de</strong>scrição no mesmo nível em que eu <strong>de</strong>talhasse as minha observações<br />

sobre a teoria e a pratica local do parentesco. O léxico especializado<br />

proce<strong>de</strong>, em geral, <strong>de</strong> <strong>de</strong>scrições anteriores, é uma coagulação <strong>de</strong><br />

análises previas que, quando colocamos uma realida<strong>de</strong> sob estudo,<br />

<strong>de</strong>vem fazer parte da nossa análise, mas não se substituir a ela.<br />

Uma <strong>de</strong>scrição <strong>de</strong>nsa não é uma teoria, embora o valor <strong>de</strong> uma<br />

teoria <strong>de</strong>penda, entre outras coisas, da <strong>de</strong>nsida<strong>de</strong> da <strong>de</strong>scrição. A teoria,<br />

como já dissemos, <strong>de</strong>ve ser econômica; <strong>de</strong>ve estar implícita (sem<br />

prejuízo <strong>de</strong> que seja explicitada em algum momento) na organização<br />

dos elementos da <strong>de</strong>scrição, e ser capaz <strong>de</strong> resumi-los <strong>de</strong>pois. Sem uma<br />

<strong>de</strong>nsida<strong>de</strong> que multiplique os conteúdos a serem organizados, a teoria<br />

se veria reduzida a uma <strong>de</strong>scrição comum. O que se expen<strong>de</strong> como<br />

teoria cai muitas vezes nessa categoria: uma <strong>de</strong>scrição comum<br />

escondida atrás <strong>de</strong> um linguajar abstruso. Uma boa <strong>de</strong>scrição, ou uma<br />

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