digital - Comunidade Virtual de Antropologia
digital - Comunidade Virtual de Antropologia
digital - Comunidade Virtual de Antropologia
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
Esse obscuro objeto da pesquisa<br />
preso num calabouço, conseguiu fugir <strong>de</strong>le voando no dorso <strong>de</strong> um<br />
ganso que ele mesmo tinha pintado na pare<strong>de</strong>.<br />
Fundamentalismo do fieldwork<br />
Outra questão em pauta é a freqüente atribuição ao campo <strong>de</strong> uma<br />
eficiência suprema: “o campo dirá”; “o campo <strong>de</strong>finirá melhor o<br />
projeto”; “o campo etc.”. É <strong>de</strong> bom senso <strong>de</strong>sconfiar <strong>de</strong>ssas esperanças,<br />
mas um excesso <strong>de</strong> bom senso po<strong>de</strong> ser ainda pior que a sua falta total.<br />
O campo po<strong>de</strong> não ser eficiente nesse sentido máximo: ele não salvará<br />
um pesquisador incapaz, ou um pesquisador ignorante que saia a<br />
campo para <strong>de</strong>scobrir a roda. Mas ele <strong>de</strong>ve ser eficiente. Isso não é uma<br />
expectativa, senão um axioma, estabelecido no exato momento em que<br />
se opta pela pesquisa etnográfica. Um pesquisador, sem dúvida, não<br />
po<strong>de</strong> ir ao campo na condição <strong>de</strong> tabula rasa. Ele leva seus conceitos e<br />
suas expectativas ao campo, mas, por assim dizer, não po<strong>de</strong> trazê-los <strong>de</strong><br />
volta sem alterações. Se assim o fizer, esta na hora <strong>de</strong> trocar <strong>de</strong> oficio:<br />
ele não serve para este.<br />
Indizibilida<strong>de</strong>s<br />
Tudo que acabou <strong>de</strong> ser dito sugere que a pesquisa <strong>de</strong> campo é algo<br />
mais, bem mais ou muito mais que uma pesquisa feita no campo. E<br />
que assim <strong>de</strong>ve ser: as tentativas <strong>de</strong> isolar o pesquisador, <strong>de</strong> reclui-lo<br />
em alguma bolha que lhe garanta a neutralida<strong>de</strong> e a isenção não são<br />
apenas infrutíferas mas também enganosas, e em todo caso ineptas.<br />
Não funcionam, criam uma ficção que <strong>de</strong>turpa a pesquisa e, enfim e<br />
sobretudo, <strong>de</strong>scartam um volume <strong>de</strong> preciosa informação.<br />
Um trabalho <strong>de</strong> campo é uma experiência rara, rica –não<br />
necessariamente agradável. Na verda<strong>de</strong>, não há como assinalar limites<br />
para ela. Limites científicos, quero dizer, pois uma pesquisa po<strong>de</strong>rá<br />
sempre levantar dúvidas éticas <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> calibre, que poucas vezes<br />
<strong>de</strong>ixarão <strong>de</strong> ter algum prece<strong>de</strong>nte ilustre. Envolvimento afetivo ou<br />
sexual com as pessoas entre as quais se pesquisa? Envolvimento nos<br />
conflitos eventualmente muito violentos em que elas estão imersas?<br />
A<strong>de</strong>são aos seus projetos políticos ou à sua religião? Po<strong>de</strong>ria um<br />
pesquisador se converter a essa religião que está estudando, ou se<br />
iniciar nos rituais que ela exige? Ou po<strong>de</strong>ria se converter a algum<br />
outro modo <strong>de</strong> ser não necessariamente religioso: <strong>de</strong>dicar-se à<br />
prostituição, ou ao boxe, ou à tauromaquia; trabalhar num matadouro,<br />
numa unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> policia <strong>de</strong> elite, num conselho <strong>de</strong> administração,<br />
numa clínica <strong>de</strong> aborto clan<strong>de</strong>stino, numa guerrilha, numa re<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
traficantes?<br />
Todas essas opções envolvem problemas éticos <strong>de</strong> muita<br />
consi<strong>de</strong>ração para uns ou para outros. Voltaremos a essa questão mais<br />
tar<strong>de</strong>, dizendo apenas por enquanto que a pesquisa etnográfica como<br />
tal não isenta, e não <strong>de</strong>ve isentar o pesquisador daquilo que seriam<br />
seus critérios éticos habituais. Nem, para dize-lo <strong>de</strong> outro modo,<br />
<strong>de</strong>veria ser a ocasião <strong>de</strong> uma ética ad hoc, inaugurada apenas para as<br />
139