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digital - Comunidade Virtual de Antropologia

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Esse obscuro objeto da pesquisa<br />

semelhante, por exemplo, à <strong>de</strong> um mecânico especializado numa<br />

<strong>de</strong>terminada marca <strong>de</strong> veículos. Nessa caixa, previsivelmente,<br />

encontraremos ferramentas a<strong>de</strong>quadas, isto é, <strong>de</strong>senhadas<br />

especificamente para certas configurações fixas do objeto. Chaves<br />

apropriadas para a bitola dos parafusos ou das porcas, cabos com a<br />

longitu<strong>de</strong> suficiente para alcançar os elementos na situação em que<br />

eles se encontrarão dispostos. No caso da pesquisa, as ferramentas<br />

a<strong>de</strong>quadas consistirão em fórmulas, protocolos <strong>de</strong> pesquisa ou<br />

conceitos já utilisados com sucesso para <strong>de</strong>screver a questão que nos<br />

interessa.<br />

A metáfora <strong>de</strong> Foucault é muito mais reveladora e realista se<br />

enten<strong>de</strong>mos que aponta para uma relativa ina<strong>de</strong>quação das<br />

ferramentas ao objeto. Ou seja, a uma <strong>de</strong>ssas caixas <strong>de</strong> ferramentas<br />

(<strong>de</strong>s)organizada pela história pessoal do seu proprietário, on<strong>de</strong> se<br />

reúnem restos <strong>de</strong> caixas anteriores, úteis avulsos comprados para uma<br />

ocasião, e objetos imprevisíveis como uma faca quebrada, pedaços <strong>de</strong><br />

ma<strong>de</strong>ira ou retalhos <strong>de</strong> borracha. No caso da pesquisa, a caixa <strong>de</strong><br />

ferramentas guarda, na verda<strong>de</strong>, toda a sua experiência: os conceitos,<br />

as referencias científicas e literárias, as aspirações políticas, etc.<br />

O ponto está em que um pesquisador –isso é muito mais claro nas<br />

ciências humanas- mesmo se provi<strong>de</strong>nciou alguma teoria-caixa do<br />

primeiro tipo (ferramentas a<strong>de</strong>quadas), sempre carrega esse segundo<br />

tipo <strong>de</strong> teoria-caixa, e sempre se vê antes ou <strong>de</strong>pois obrigado a usá-la.<br />

É fácil enten<strong>de</strong>r porquê: uma pesquisa com o tipo <strong>de</strong> caixa 1 exige<br />

um controle suficiente do objeto, com o fim <strong>de</strong> que nele não apareçam<br />

configurações imprevistas. É uma situação plausível na pesquisa <strong>de</strong><br />

laboratório, mas dificilmente disponível numa pesquisa <strong>de</strong> campo. A<br />

busca <strong>de</strong> um rigor científico por meio das ferramentas a<strong>de</strong>quadas po<strong>de</strong><br />

resultar numa pesquisa exemplarmente não-rigorosa, em que variáveis<br />

imprevistas sejam sacrificadas em aras <strong>de</strong> um pseudo-rigor.<br />

A caixa <strong>de</strong> ferramentas <strong>de</strong> tipo 2, apesar ou por causa <strong>de</strong> sua<br />

ina<strong>de</strong>quação, possibilita a improvisação perante situações novas. Nela<br />

estão, <strong>de</strong> resto, aqueles conceitos com os que o pesquisador <strong>de</strong>verá<br />

lidar para tornar públicos os resultados <strong>de</strong> sua pesquisa. Des<strong>de</strong> que as<br />

ferramentas <strong>de</strong> um pesquisador em ciências humanas consistem, até<br />

<strong>de</strong>monstração em contrário, em palavras, a questão das ferramentas<br />

po<strong>de</strong> se reduzir à questão da linguagem comum, da que tratamos em<br />

outro item.<br />

Excursus: O artesanato.<br />

Não é raro ouvir lamentações <strong>de</strong> que as pesquisas <strong>de</strong> uma área<br />

como a da antropologia “permanecem num nível artesanal”. Em geral,<br />

esses diagnósticos <strong>de</strong>nunciam um ranço industrialista, e uma noção já<br />

envelhecida do artesão, como um agente limitado a um saber<br />

“tradicional” (no sentido <strong>de</strong> “estagnado”), <strong>de</strong> produção escassa e<br />

precária. Depois <strong>de</strong> um século e meio <strong>de</strong> produção em massa, já<br />

<strong>de</strong>veríamos ter revisado essa idéia: há um tipo <strong>de</strong> precarieda<strong>de</strong> próprio<br />

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