22.06.2015 Views

digital - Comunidade Virtual de Antropologia

digital - Comunidade Virtual de Antropologia

digital - Comunidade Virtual de Antropologia

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

Oscar Calavia Sáez<br />

O laboratório dos antropólogos<br />

É comum dizer que o campo é o laboratório do antropólogo. A<br />

analogia po<strong>de</strong> ser boa em termos muito gerais, ou para reivindicar<br />

verbas para a pesquisa <strong>de</strong> campo.<br />

Mas para além disso, é absolutamente falsa: esse “laboratório” é, a<br />

rigor, um anti-laboratório, e <strong>de</strong>ssa inversão <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> a serieda<strong>de</strong><br />

metodológica da etnografia (e <strong>de</strong> qualquer outra proposta <strong>de</strong> trabalho<br />

que recorra ao campo).<br />

No laboratório, os nossos recursos se aplicam a reduzir o objeto, a<br />

privá-lo <strong>de</strong> todas as relações que interfiram na variável que queiramos<br />

estudar. O laboratório é um ambiente arquitetado pelas nossas teorias,<br />

pelas nossas hipóteses: no laboratório, o objeto po<strong>de</strong> ser situado em<br />

condições que jamais se dariam naturalmente: isolamento, vazio,<br />

assepsia, etc. O trabalho <strong>de</strong> campo é, por <strong>de</strong>finição, a situação <strong>de</strong> estudo<br />

em que se renuncia a controlar as condições do estudo. Ele é marcado<br />

pelos impon<strong>de</strong>ráveis e pelo contexto. Em campo, o pesquisador <strong>de</strong>ve<br />

evitar os costumes do laboratório.<br />

No campo, por exemplo, po<strong>de</strong>m se seguir <strong>de</strong>terminados roteiros,<br />

mas não há como <strong>de</strong>limitar o tipo <strong>de</strong> dados que <strong>de</strong>vam ser observados.<br />

Mesmo que o projeto trate <strong>de</strong> xamanismo, o pesquisador não po<strong>de</strong> se<br />

limitar ao tipo <strong>de</strong> dados que ele enten<strong>de</strong> como pertinentes ao seu<br />

assunto. Se, para ser fiel ao seu projeto sobre xamanismo. ele ignora<br />

tudo que alguém quer lhe contar sobre teatro ou projetos <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>senvolvimento do governo, ele po<strong>de</strong> per<strong>de</strong>ndo claves do xamanismo<br />

que se encontram precisamente nesse teatro ou nesses projetos. Na<br />

pesquisa <strong>de</strong> campo não po<strong>de</strong> haver atalhos. A exigência <strong>de</strong> extensão do<br />

trabalho <strong>de</strong> campo não se <strong>de</strong>ve apenas ao <strong>de</strong>sígnio <strong>de</strong> açambarcar uma<br />

gran<strong>de</strong> massa <strong>de</strong> dados empíricos, mas sobretudo <strong>de</strong> evitar esse tipo <strong>de</strong><br />

atalhos. O pesquisador <strong>de</strong>ve ter tempo suficiente para per<strong>de</strong>r o tempo,<br />

e em princípio <strong>de</strong>ve suspeitar <strong>de</strong> qualquer caminho <strong>de</strong>masiado direto:<br />

os caminhos diretos são um privilegio do laboratório.<br />

No limite, o campo ten<strong>de</strong> a fazer com o sujeito pesquisador o<br />

mesmo que o laboratório faz com seu objeto: ele reduz o sujeitopesquisador<br />

a condições que não são as originais <strong>de</strong>le. Ele é a cobaia, e<br />

seus conceitos são as variáveis.<br />

A diferença da cobaia, o antropólogo escreve ele mesmo sobre as<br />

suas experiências. Por isso assina o resultado como autor, e durante<br />

muito tempo enten<strong>de</strong>u-se que era o seu autor exclusivo. Somos cada<br />

vez mais conscientes <strong>de</strong> que ele não po<strong>de</strong> aspirar a essa exclusivida<strong>de</strong><br />

mais do que a cobaia po<strong>de</strong>ria aspirar: o texto po<strong>de</strong> ser seu, mas a<br />

experiência foi compartilhada. E o texto alberga outras reflexões alem<br />

da sua própria, que os nativos lhe participaram, tiradas seja <strong>de</strong><br />

experiências anteriores <strong>de</strong>sses nativos, seja das que surgiram pela<br />

interação com o pesquisador. Voltaremos em outros momentos a essa<br />

questão, mas neste momento cabe notar um <strong>de</strong>talhe: o pesquisador<br />

que serve <strong>de</strong> pivô a todo esse processo não po<strong>de</strong> ser um pesquisador<br />

encoberto ou invisível. O campo –a diferença dos laboratórios- <strong>de</strong>scarta<br />

duas variantes <strong>de</strong> um mesmo roteiro impossível: a do pesquisador-<br />

144

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!