22.06.2015 Views

digital - Comunidade Virtual de Antropologia

digital - Comunidade Virtual de Antropologia

digital - Comunidade Virtual de Antropologia

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

Oscar Calavia Sáez<br />

que algo aconteceu. Mutatis mutandis, o que uma tese <strong>de</strong>ve fazer é a<br />

mesma coisa: revisitar o estado da arte do qual partiu a nossa pesquisa<br />

para comprovar como a nossa pesquisa o modificou efetivamente.<br />

Tudo isso que foi dito significa, por exemplo, que o final <strong>de</strong> uma<br />

<strong>de</strong>scrição não está no momento em que os dados foram esgotados, em<br />

que já se falou <strong>de</strong> tudo. Isso costuma ser tão impossível quanto<br />

<strong>de</strong>saconselhável. O argumento <strong>de</strong> nossa tese, como já dissemos antes,<br />

<strong>de</strong>ve tentar alinhavar a maior quantida<strong>de</strong> possível <strong>de</strong> dados, mas <strong>de</strong>ve<br />

faze-lo <strong>de</strong> um modo elegante, isto é sem multiplicar laços, idas e voltas<br />

ou meandros fechados que acabem escon<strong>de</strong>ndo aon<strong>de</strong> ele vai. Não<br />

precisa que seja reto: po<strong>de</strong> ser uma elipse, uma linha ondulatória, um<br />

círculo, uma espiral, mas não uma garatuja.<br />

Por muito bem que se organizem os dados, é mais que provável que<br />

muitos sobrem: isso não é um problema, como já dissemos a tese não<br />

da conta da totalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma pesquisa. E claro que, pelo contrario,<br />

não <strong>de</strong>vem ficar fora da tese dados necessários que nossa pesquisa<br />

disponibilizou.<br />

Saber quais são os dados necessários é possível examinando quais<br />

são os elementos que apresentamos como relevantes no seu início.<br />

Como muitos <strong>de</strong>sses problemas que costumamos enten<strong>de</strong>r como<br />

problemas teóricos, este po<strong>de</strong> se enten<strong>de</strong>r melhor como um problema<br />

<strong>de</strong> estratégia narrativa. Não é diferente daquele que teria um escritor<br />

<strong>de</strong> romances <strong>de</strong> <strong>de</strong>tetive que no início do seu texto apresentasse <strong>de</strong>z<br />

suspeitos <strong>de</strong> assassinato: não po<strong>de</strong>rá concluir sua trama antes <strong>de</strong> que os<br />

<strong>de</strong>z tenham recebido um tratamento a<strong>de</strong>quado, que po<strong>de</strong>rá ser mais ou<br />

menos extenso ou intenso. O bom senso aconselha também que ele<br />

trate <strong>de</strong> cada um <strong>de</strong>les numa or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> <strong>de</strong>nsida<strong>de</strong>: os suspeitos mais<br />

fáceis <strong>de</strong> <strong>de</strong>scartar irão em primeiro lugar, <strong>de</strong>ixando os mais<br />

complexos para o final, o que não garante que um <strong>de</strong>les, que<br />

apresentou no início um bom álibi, acabe se revelando como o<br />

assassino numa torção final da trama. Num relato etnográfico,<br />

igualmente, partimos <strong>de</strong> um tema ao qual atribuímos uma serie <strong>de</strong><br />

caracteres: <strong>de</strong>scrições que já foram feitas <strong>de</strong>le, interpretações que se<br />

lhe <strong>de</strong>ram, contextos em que se <strong>de</strong>senvolve, efeitos que se lhe<br />

atribuem. De um modo ou outro, teremos que dar conta, ao longo da<br />

nossa <strong>de</strong>scrição, <strong>de</strong> dados que aludam a cada um <strong>de</strong>sses caracteres, e<br />

nosso relato não po<strong>de</strong>rá acabar antes <strong>de</strong> que todos, <strong>de</strong> um modo ou<br />

outro, tenham sido chamados. O nosso argumento se encaminhará<br />

suavemente à sua conclusão na medida em que saibamos or<strong>de</strong>na-los<br />

num crescendo <strong>de</strong> <strong>de</strong>nsida<strong>de</strong>.<br />

Imaginemos, por exemplo, que a nossa pesquisa trata das noções <strong>de</strong><br />

corpo <strong>de</strong> um grupo <strong>de</strong> mulheres católicas <strong>de</strong> classe media que militam<br />

em favor do direito ao aborto. Nessa linha e pouco, encontramos no<br />

mínimo uma meia dúzia <strong>de</strong> caracteres que <strong>de</strong>verão ser tratados antes<br />

da conclusão. Não seria aceitável que concluíssemos sem dar conta <strong>de</strong><br />

como essas mulheres percebem o aborto, nem do que a sua extração<br />

<strong>de</strong> classe media significou na pesquisa. Dados sobre outro tipo <strong>de</strong><br />

militância política, ou sobre o historial médico <strong>de</strong>ssas mulheres que<br />

tenhamos recolhido durante a pesquisa não são, a princípio,<br />

198

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!