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digital - Comunidade Virtual de Antropologia

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Oscar Calavia Sáez<br />

Isto é, a justificativa <strong>de</strong>ve esclarecer se é fisicamente viável realizar<br />

uma pesquisa, mas também se é intelectualmente viável. Quer dizer, se<br />

o pesquisador é capaz <strong>de</strong> situar sua pesquisa <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um<br />

<strong>de</strong>terminado campo da ciência. Qualquer tema po<strong>de</strong> dar lugar a um<br />

objeto viável, não importa quão novo ou inesperado ele seja. Mas só o<br />

será se o pesquisador sabe situa-lo a<strong>de</strong>quadamente.<br />

Isso leva à outra virtu<strong>de</strong>, a originalida<strong>de</strong>. Não basta que o objeto<br />

esteja situado num campo da ciência, ele <strong>de</strong>ve se situar também no<br />

limite entre esse campo e o universo (amplíssimo) do que ainda não foi<br />

inscrito nele. Pesquisar a organização segmentar Nuer é viável, mas<br />

não é original, já foi feito por Evans-Pritchard. Pesquisar as alterações<br />

<strong>de</strong>ssa organização segmentar <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a época <strong>de</strong> Evans-Pritchard po<strong>de</strong><br />

ou não ser original: é na justificativa que se <strong>de</strong>ve realizar o trabalho <strong>de</strong><br />

comprovar se isso não foi já feito, uma missão que requer muita<br />

exploração e informação, que já <strong>de</strong>veria estar reunida na formação<br />

específica do pesquisador, e que na justificativa se sintetiza. “Original”<br />

não significa aqui surpreen<strong>de</strong>nte, ou raro: mas é claro que nunca será<br />

mau que a nossa pesquisa seja surpreen<strong>de</strong>nte. E (precisa dizer?)<br />

“original” exclui também o plágio.<br />

Enfim, o objeto <strong>de</strong>ve ser relevante. Talvez essa seja a menos<br />

<strong>de</strong>finida das qualida<strong>de</strong>s. Um objeto será tanto mais relevante quanto<br />

maiores ou mais extensas as alterações que seu estudo po<strong>de</strong>ria<br />

produzir no campo da ciência. Para voltar ao nosso já surrado exemplo,<br />

reestudar o segmentarismo Nuer numa região do pais Nuer que nunca<br />

foi investigada por Pritchard ou por algum outro pesquisador posterior<br />

será com certeza viável e po<strong>de</strong> ser razoavelmente original, mas será<br />

escassa ou nulamente relevante. A não ser que haja algum indício <strong>de</strong><br />

que essa pesquisa num recanto ainda virgem po<strong>de</strong> alterar<br />

significativamente a teoria do segmentarismo. A justificativa <strong>de</strong>ve dar<br />

conta disso, <strong>de</strong>monstrando –por isso chama-se assim- que o tempo,<br />

trabalho e dinheiro que vamos <strong>de</strong>spen<strong>de</strong>r é plenamente justificado.<br />

Um documento sobre avaliação <strong>de</strong> projetos do CNRS francês<br />

distinguia três tipos <strong>de</strong> pesquisas: a) apenas confirmativas b)<br />

contribuições honestas a um “ruído <strong>de</strong> fundo” c) plenamente<br />

inovadoras. Essa escala diz respeito à relevância e, <strong>de</strong> passagem, à<br />

originalida<strong>de</strong>.<br />

Mas há ainda que distinguir entre relevância interna (à ciência) e<br />

relevância externa, o que ten<strong>de</strong>ríamos a chamar relevância social,<br />

<strong>de</strong>finida pelo senso comum. Será ótimo se um objeto resulta relevante<br />

nessas duas dimensões, mas po<strong>de</strong> acontecer –acontece com muita<br />

freqüência- que a relevância científica seja invisível fora do seu campo<br />

<strong>de</strong> especialida<strong>de</strong>. No seu dia, as pesquisas <strong>de</strong> Semmelweis sobre a ação<br />

microbiana foram vistas como manias supersticiosas <strong>de</strong> um médico. E<br />

po<strong>de</strong> acontecer que um tema socialmente muito relevante –a violência<br />

domestica, o <strong>de</strong>semprego ou o aquecimento global- não inspire ao<br />

pesquisador mais do que pesquisas que confirmam o que já é sabido.<br />

Quando se tem um gran<strong>de</strong> interesse num objeto relevante em<br />

termos sociais, mas sem encontrar para ele uma originalida<strong>de</strong> e uma<br />

relevância em termos científicos, o mais correto é fazer algo que não<br />

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