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digital - Comunidade Virtual de Antropologia

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Esse obscuro objeto da pesquisa<br />

experiências <strong>de</strong> vida ou <strong>de</strong> leitura externas à pesquisa <strong>de</strong> campo –“cf. o<br />

que diz Sahlins sobre este mesmo assunto no caso <strong>de</strong> Hawaii”.<br />

O interesse da etnografia se concentra nessas interseções. Como<br />

estratégia <strong>de</strong> escrita po<strong>de</strong> ser muito útil consi<strong>de</strong>ra-las como notas <strong>de</strong><br />

rodapé da <strong>de</strong>scrição, e trata-las tipograficamente como tais, quer dizer,<br />

inscrevendo-as ao longo <strong>de</strong> nossa <strong>de</strong>scrição em forma <strong>de</strong> notas <strong>de</strong><br />

rodapé que engor<strong>de</strong>m progressivamente até que, reconhecida a sua<br />

relevância, sejam transferidas para o texto principal. Ou que, provandose<br />

<strong>de</strong> um interesse mais limitado, permaneçam como tais notas <strong>de</strong><br />

rodapé, ou sejam simplesmente eliminadas. Ao longo <strong>de</strong>sse processo,<br />

chega um momento em que o autor po<strong>de</strong>rá escolher entre aquele<br />

esquema inicial tomado do diário <strong>de</strong> campo, e outra or<strong>de</strong>m que po<strong>de</strong><br />

surgir do conjunto <strong>de</strong>ssas “notas <strong>de</strong> rodapé” que para então po<strong>de</strong>m ter<br />

alcançado um volume superior ao da narração linear.<br />

Essa idéia po<strong>de</strong> parecer confusa; tentemos imaginar um exemplo,<br />

fictício porém perfeitamente verossímil.<br />

Minha pesquisa trata <strong>de</strong> xamanismo entre os Z. Os Z já<br />

foram famosos pelo seu xamanismo, mas durante semanas<br />

ou meses não consigo entrevistar um xamã, <strong>de</strong> fato não<br />

consigo i<strong>de</strong>ntificar um. No meu diário anoto a minha<br />

<strong>de</strong>sorientação, dia após dia, com as indicações confusas com<br />

que uns e outros me remetem a conversar com este e aquele.<br />

Obtenho informações poucas e fragmentárias a respeito do<br />

antigo xamanismo, e há alguma coincidência em assinalar a<br />

duas ou três pessoas que saberiam mais disso. Essas pessoas<br />

negam, ainda que dêem algumas outras informações<br />

também fragmentárias. Há uma missão evangélica próxima<br />

à al<strong>de</strong>ia, e é obvio que sua presença e sua influência, embora<br />

não tenha conseguido converter plenamente os Z, coíbe o<br />

seu xamanismo. Nem eu mesmo nem os missionários temos<br />

muita inclinação a isso, mas acabamos entrando em contato<br />

e conversando longamente; eles também não gostam <strong>de</strong><br />

falar <strong>de</strong> xamanismo, e <strong>de</strong> fato não creio que saibam muito<br />

<strong>de</strong>le. Insistem em que é uma cosa do passado, e estão muito<br />

mais dispostos a fazer comentários, em geral críticos, a<br />

respeito <strong>de</strong> outros agentes missionários que atuaram no<br />

mesmo lugar. Anoto muita informação sobre as missões e<br />

sua história, mas essas informações em geral dizem pouco<br />

dos Z, e quase nada dos seus xamãs. Por meio dos<br />

missionários, acabo mantendo uma extensa colaboração com<br />

um neófito, um jovem Z que é o preferido dos missionários,<br />

já ficou fora da al<strong>de</strong>ia estudando e preten<strong>de</strong> virar pastor. Mas<br />

alem disso tem se <strong>de</strong>dicado a escrever uma longa<br />

recopilação <strong>de</strong> mitos dos Z, que me entrega. Com ela em<br />

mãos, sou capaz <strong>de</strong> complementa-la recolhendo outras<br />

versões orais <strong>de</strong> muitos <strong>de</strong>les, embora o meu propósito<br />

inicial continue sem ser satisfeito até o final da pesquisa <strong>de</strong><br />

campo.<br />

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