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digital - Comunidade Virtual de Antropologia

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Esse obscuro objeto da pesquisa<br />

inversamente proporcional a população. Os encantos da ilha remota<br />

mudam, mas ela continua linda.<br />

Mas, como sabemos, a ilha distante e a al<strong>de</strong>ia remota não esgotam<br />

os referentes legítimos do campo, nem as possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> encontro<br />

com a alterida<strong>de</strong>. A etnografia não <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser etnografia quando<br />

<strong>de</strong>ixa essas locações exóticas, e po<strong>de</strong> encontrar objetos admiráveis<br />

muito mais perto, muito mais ai no meio. Lendo alguns manuais<br />

americanos <strong>de</strong> etnografia nos encontraremos com que a fatia mais<br />

farta dos exemplos <strong>de</strong> campo esta tirada <strong>de</strong> pesquisas realizadas em<br />

salas <strong>de</strong> aula, provavelmente o meio mais familiar imaginável para<br />

um acadêmico; po<strong>de</strong> não ser muito estimulante, mas vem a provar que<br />

mesmo esse meio tão familiar po<strong>de</strong> guardar alguns secretos.<br />

Aliás, a ilha solitária não é, nunca foi tão solitária nem tão<br />

selvagem assim. O antropólogo não é um náufrago nem um<br />

<strong>de</strong>sbravador <strong>de</strong> terras virgens, e só chega a parecer-lho quando no seu<br />

relato se da ao trabalho <strong>de</strong> fazer <strong>de</strong>saparecer os funcionários coloniais,<br />

os missionários e os traficantes <strong>de</strong> todo tipo, os mediadores indígenas,<br />

as línguas francas, os nativos habituados à curiosida<strong>de</strong> alheia. Por<br />

muitos motivos, não é garantido que um etnógrafo participe<br />

pessoalmente numa expedição kula, numa guerra, num processo <strong>de</strong><br />

iniciação ou ate em eventos muito mais triviais como uma caçada.<br />

Nem sempre tem sequer a ocasião <strong>de</strong> apreciar uma sessão xamanica<br />

ou um bom funeral. No dia a dia, a pesquisa na ilha distante po<strong>de</strong><br />

acabar sendo algo muito parecido a uma sala <strong>de</strong> aula, um contexto<br />

convencional em que um nativo e um antropólogo conversam sobre,<br />

por exemplo, agressões mágicas e caca <strong>de</strong> cabeças no tempo dos<br />

bisavôs, temperado com a observação direta <strong>de</strong> situações muito mais<br />

banais. A etnografia po<strong>de</strong> ser afinal uma ativida<strong>de</strong> anticlimática, antes<br />

<strong>de</strong> que se lhe agregue toda uma parafernália exótica que se encontra<br />

mais em relatos que no dia a dia do pesquisador.<br />

Como transformar o exótico em familiar<br />

Mas por muita razão que assista a todas essas ressalvas, e melhor<br />

evitar que elas nos levem a anular as próprias premissas da<br />

antropologia, em particular a do valor cognitivo do encontro com o<br />

outro. O campo clássico, aquele em que o pesquisador se afasta do seu<br />

lar e do seu cotidiano, comporta alguns obstáculos físicos às vezes<br />

consi<strong>de</strong>ráveis, e também algumas (gran<strong>de</strong>s) facilida<strong>de</strong>s metodológicas.<br />

No campo clássico, digamos numa al<strong>de</strong>ia indígena amazônica, o<br />

pesquisador, razoavelmente afastado da sua rotina original –<br />

comunicação, hábitos alimentares, <strong>de</strong> higiene – sofre; não<br />

necessariamente muito, mas sofre. E esse sofrimento não é indiferente<br />

para os seus objetivos. Enquanto tenta superar sua malaria ou sua<br />

amebíase –inconvenientes às vezes sérios <strong>de</strong> uma pesquisa, mas em<br />

geral periféricos ao cerne da sua investigação- o pesquisador sente que<br />

os seus pressupostos são questionados sem que ele <strong>de</strong>va se empenhar<br />

em alguma disciplina da percepção. Não tem que se esforçar em<br />

imaginar outro modo <strong>de</strong> fazer ou pensar as coisas, esse outro modo<br />

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