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digital - Comunidade Virtual de Antropologia

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Esse obscuro objeto da pesquisa<br />

dar conta <strong>de</strong> tudo que é dito, ainda menos dos matizes, as expressões, o<br />

contexto, a performance. Terá que confiar <strong>de</strong>mais na sua memória. É<br />

mais, quê dialogo etnográfico po<strong>de</strong> se estabelecer quando um dos<br />

interlocutores fica olhando o papel, garatujando com <strong>de</strong>sespero? Ou<br />

quando alterna momentos <strong>de</strong> escrita frenética com outros em que não<br />

escreve nada, dando ao outro, por contraste, a impressão <strong>de</strong> que o que<br />

está a dizer neste momento não tem importância?<br />

Mas não é só isso. Para muitos, andar pelo mundo a tomar notas é<br />

um escândalo: como, na época das gravações digitais, quando po<strong>de</strong>mos<br />

registrar tudo em fotografias infinitas, em horas e mais horas <strong>de</strong> audio<br />

ou ainda melhor ví<strong>de</strong>o?<br />

Durante algum tempo, os mesmos pesquisadores se mostravam<br />

temerosos <strong>de</strong>ssas novas técnicas, sobretudo em função <strong>de</strong>sses nativos<br />

sempre um pouco pre-lógicos que podiam se ver intimidados por essas<br />

câmeras que talvez lhes roubariam a alma ou a fala, ou se sentiriam<br />

incomodados pela presença dos aparelhos. Mas já sabemos <strong>de</strong> sobra<br />

que nem sempre é assim, <strong>de</strong> fato quase nunca é assim. Não só os<br />

aparelhos se fazem quase invisíveis <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> um tempo, interferindo<br />

no dialogo muito menos que um taquígrafo acelerado, mas também os<br />

aparelhos se tornaram globalmente invisíveis: <strong>de</strong> um canto a outro do<br />

planeta, vive-se sob o objetivo das câmeras, e nossas conversas são<br />

gravadas em muitas ocasiões pelos mais variados motivos. Mesmo<br />

assim, ainda é possível achar quem não quer câmeras ou gravadores<br />

em geral, ou não quer câmeras ou gravadores em <strong>de</strong>terminados<br />

momentos. Isso faz parte da negociação etnográfica, e não é preciso<br />

dizer que câmeras ou gravadores escondidos não cabem na ética da<br />

pesquisa. Faz parte da negociação, também, saber que, mesmo que os<br />

instrumentos se façam invisíveis <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> algum tempo nunca<br />

saberemos quando isso acontece, e po<strong>de</strong>mos assumir que o que um<br />

nativo diga perante uma câmera ou um gravador não será exatamente<br />

o mesmo que ele dirá ante o nosso ca<strong>de</strong>rno <strong>de</strong> notas ou perante um<br />

pesquisador <strong>de</strong>sprovido até <strong>de</strong> lápis e papel.<br />

Tudo isso po<strong>de</strong> ser administrado com um pouco <strong>de</strong> atenção. Mas o<br />

verda<strong>de</strong>iro inconveniente dos meios digitais é bem outro: com a ajuda<br />

dos meios digitais (não creio que ainda se usem muitos gravadores <strong>de</strong><br />

áudio ou ví<strong>de</strong>o analógicos, para eles serviria a mesma precaução)<br />

po<strong>de</strong>mos fazer proliferar uma massa <strong>de</strong> dados intratável e afinal inútil.<br />

Provavelmente todos os aprendizes <strong>de</strong> pesquisador terão ouvido<br />

alguma vez isso, mas tenho sobrada experiência <strong>de</strong> que o ouvem como<br />

um <strong>de</strong>talhe irrelevante, nada que <strong>de</strong>va tirar o sono, quase um ruído. De<br />

modo que insistirei:<br />

Com a ajuda dos meios digitais po<strong>de</strong>mos fazer proliferar uma<br />

massa <strong>de</strong> dados intratável e afinal inútil.<br />

Com a ajuda dos meios digitais po<strong>de</strong>mos fazer proliferar uma<br />

massa <strong>de</strong> dados intratável e afinal inútil.<br />

Com a ajuda dos meios digitais po<strong>de</strong>mos fazer proliferar uma<br />

massa <strong>de</strong> dados intratável e afinal inútil.<br />

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