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digital - Comunidade Virtual de Antropologia

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Oscar Calavia Sáez<br />

do teatro da ópera <strong>de</strong> Manaus a recobrir com uma imitação <strong>de</strong><br />

mármore as magníficas colunas <strong>de</strong> autêntico pau-canela.<br />

Do lado dos filósofos, é muito possível que atue o tédio resultante<br />

<strong>de</strong> se aprofundar em questões tratadas durante séculos por um elenco<br />

mais ou menos fechado <strong>de</strong> autores, e procurem novida<strong>de</strong>s nesses<br />

terrenos abertos pela etnologia. Disso po<strong>de</strong>m sair gran<strong>de</strong>s achados e<br />

tudo o contrário; afinal, os filósofos não vão a campo e são leigos nesse<br />

terreno.<br />

O melhor para situar a questão é lembrar daquele que tem sido<br />

freqüentemente consi<strong>de</strong>rado o philosophe por excelência em meio aos<br />

antropólogos, Clau<strong>de</strong> Lêvi-Strauss. Originalmente estudante <strong>de</strong><br />

filosofia, ele diz ter se voltado para a etnologia precisamente para fugir<br />

do circuito fechado da filosofia, ou em particular da filosofia kantiana<br />

<strong>de</strong> sua época, on<strong>de</strong> os exercícios <strong>de</strong> pensamento levavam a um<br />

<strong>de</strong>sfecho previsível. Se as ciências –as ciências em geral- se divorciaram<br />

em algum momento da filosofia, foi precisamente porque as suas<br />

limitações, sua <strong>de</strong>dicação exclusiva a um âmbito <strong>de</strong>limitado, lhes<br />

permitiam uma inovação que o discurso totalizador da filosofia<br />

excluía. Mas no caso da antropologia –volta aqui Lévi-Strauss-, a razão<br />

parece ser a oposta: a abordagem holista da filosofia pa<strong>de</strong>ce a<br />

limitação, muito grave, <strong>de</strong> estar fundada apenas na experiência dos<br />

oci<strong>de</strong>ntais.<br />

Se a etnologia acrescenta algo –algo essencial, não apenas<br />

ilustrações exóticas- ao estudo filosófico é porque apenas ela compõe a<br />

base em que uma genuína reflexão filosófica <strong>de</strong>veria se fundar. Ou<br />

seja, é possível uma reflexão sobre o Estado <strong>de</strong>ntro do limites <strong>de</strong> uma<br />

tradição on<strong>de</strong> toda organização social vai <strong>de</strong>saguar no Estado, quando<br />

em vastíssimas extensões da terra o Estado continua sem dar as caras<br />

até hoje? Ou uma reflexão sobre o conhecimento a partir <strong>de</strong> uma base<br />

on<strong>de</strong> o cogito individual é indiscutível?<br />

A essa base <strong>de</strong> experiência une-se a consi<strong>de</strong>ração <strong>de</strong> que todo esse<br />

segmento <strong>de</strong> experiência humana não seria possível sem o concurso <strong>de</strong><br />

um pensamento tão válido quanto o oci<strong>de</strong>ntal. Filosofia ou não, há<br />

algo nesses outros universos que lhe eqüivale.<br />

Isto é, o que a antropologia faz <strong>de</strong> melhor pela filosofia é continuar<br />

sendo antropologia. Uma colaboração mais explícita passa, digamos,<br />

pelo estabelecimento <strong>de</strong> uma relação simétrica entre os pensadores <strong>de</strong><br />

um e outro lado da linha. Hegel não po<strong>de</strong>rá iluminar nada a respeito<br />

da vida, sei lá, <strong>de</strong> um povo <strong>de</strong> caçadores do ártico a não ser que esses<br />

caçadores do ártico, com suas idéias e seu modo <strong>de</strong> vida, iluminem<br />

também em algo a filosofia <strong>de</strong> Hegel.<br />

Nota: Uma suspeita tem recaído uma e outra vez sobre os<br />

antropólogos (Radin ou Griaule são bons exemplos clássicos) que tem<br />

pretendido i<strong>de</strong>ntificar uma filosofia outra nos povos que estudavam. A<br />

saber, a suspeita <strong>de</strong> que estavam apenas revestindo alguma filosofia<br />

oci<strong>de</strong>ntal –em geral alguma já com prazo vencido- com vestes exóticas.<br />

De um lado essa suspeita se justifica: na maior parte dos casos o que<br />

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