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digital - Comunidade Virtual de Antropologia

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Esse obscuro objeto da pesquisa<br />

a opinião do nativo X, etc.” (os exemplos não são totalmente<br />

imaginários) têm um sabor estranho...<br />

Interlocutor é um termo muito bom para todas aquelas situações –<br />

talvez a maior parte- em que a pesquisa se realiza falando. Muito mais<br />

flexível que informante, porque não sugere um fluxo unidirecional, e<br />

porque se abre para um leque muito amplo <strong>de</strong> trocas verbais, muito<br />

alem da informação. Resta, no entanto, o fato <strong>de</strong> que nem todos os<br />

sujeitos da pesquisa falam conosco, ou falam conosco o tempo todo.<br />

Em resumo, a questão <strong>de</strong> que nome dar-lhes é uma falsa questão –<br />

que no entanto aparece, às vezes, entre as preocupações dos estudantes.<br />

O <strong>de</strong>sejável é, precisamente, não procurar encerra-los a todos numa<br />

categoria unificada. Os nativos po<strong>de</strong>m ser muitas vezes informantes ou<br />

muitas mais interlocutores, mas <strong>de</strong> resto sempre tem, como todos os<br />

humanos, seus nomes: um nome próprio (João, Maria), um nome<br />

étnico (português, cigano, Wapixana), um nome profissional (ferreiro,<br />

CEO, caçador) e numa etnografia precisa o melhor é usar o termo que<br />

melhor se a<strong>de</strong>que à situação <strong>de</strong>scrita, isto é, segundo ele esteja aí como<br />

ferreiro, como cigano, como João ou como O Nativo.<br />

Sujeito e subjetivida<strong>de</strong><br />

Sabemos que os paradigmas mais antigos na etnografia prezavam<br />

sobremaneira a objetivida<strong>de</strong>, um requisito que se esperava igualmente<br />

do pesquisador e do nativo. Para o primeiro, a subjetivida<strong>de</strong> é um<br />

obstáculo que <strong>de</strong>ve ser removido ou pelo menos minimizado,<br />

domesticado, isolado, expurgado. O nativo, por sua vez, será<br />

suficientemente objetivo se ele for o que alguém já <strong>de</strong>signou como um<br />

informante idiota, um adjetivo que não preten<strong>de</strong> ser ofensivo, mas não<br />

consegue <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> sê-lo. Idiota, em origem, tem um significado muito<br />

parecido ao <strong>de</strong> autêntico: o que está limitado a si mesmo. Isto é, nada<br />

<strong>de</strong>veria interferir na espontaneida<strong>de</strong> com que ele se expressaria, e<br />

expressaria o povo do qual é parte e voz inconsciente. Ao informante<br />

idiota seriam ainda preferíveis fatos obtidos sem intermediação,<br />

observados ou melhor ainda coletados (quê mais objetivo que um<br />

objeto?).<br />

Antes <strong>de</strong> ser politicamente incorreta, toda essa objetivida<strong>de</strong><br />

simétrica já era falsa. Nenhum nativo é idiota, já que está se<br />

comunicando com outrem: ele está tentando se fazer enten<strong>de</strong>r, quando<br />

não tentando atingir algum outro objetivo, ou, simplesmente, ser<br />

<strong>de</strong>ixado em paz. Para tudo isso, pensa no que está dizendo, e pensa no<br />

que seu interlocutor quer e não quer ouvir. Quanto ao pesquisador,<br />

também é improvável que chegue a ser idiota, mesmo que às vezes a<br />

fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> a uma linha teórica o leve muito perto disso. Ele carrega<br />

consigo uma pesada bagagem: sua história pessoal, as expectativas <strong>de</strong><br />

sua escola, suas ênfases e suas lacunas, as relações políticas entre o<br />

povo ao qual pertence e o povo que ele vem estudar; carrega filtros <strong>de</strong><br />

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