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Estudos de Cinema e Audiovisual

AnaisDeTextosCompletos(XIX)

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diferença na maneira que o marido trata a esposa após o casamento pelo fato <strong>de</strong> ele ser um<br />

alienígena que tomou posse do corpo.<br />

O retrato <strong>de</strong> Casei-me com um Monstro é bastante acurado. Dentro da dialética do american<br />

way of life, do sonho capitalista, o mundo <strong>de</strong>veria ser perfeito. O marido seria tudo o que queriam: fiel,<br />

amoroso, competente, provedor etc. Como o divórcio era algo quase irreal, por ser mal visto pela<br />

socieda<strong>de</strong>, as mulheres engoliam a <strong>de</strong>cepção e os abusos e continuavam a esboçar sorrisos – mas<br />

isso não significava felicida<strong>de</strong>. No final dos anos 1950, elas começaram a <strong>de</strong>scobrir o lado trágico da<br />

união que <strong>de</strong>veria ser supostamente perfeita. O casamento estava longe <strong>de</strong> ser o que imaginavam e<br />

tanto esperaram. No longa, Marge escreve numa carta à mãe, notando que o sonho era uma ilusão:<br />

“Amanhã será o nosso aniversário <strong>de</strong> um ano <strong>de</strong> casamento... mas tem sido um ano terrível. Estou<br />

assustada e confusa – talvez seja eu, mamãe, mas o Bill não é o homem por quem me apaixonei -, é<br />

quase um estranho”. Marge acha que isso é coisa da cabeça <strong>de</strong>la e amassa a carta, não a enviando.<br />

Isso é extrapolado quando julga o cônjuge um monstro. Diz: “Acabo <strong>de</strong> ver... Sei que parece<br />

loucura, mas acreditem... eu vi um monstro! (...) Era como nós.” Ou seja, o monstro, metaforicamente,<br />

não é o ser interplanetário da ficção científica, e sim aquele ser humano que nos é próximo. No caso<br />

<strong>de</strong> Marge e muitas mulheres contemporâneas ao filme, o monstro é seu marido.<br />

A partir <strong>de</strong> 1957, a jornalista, escritora e ativista feminista Betty Friedan tentando enten<strong>de</strong>r os<br />

remorsos que sentia em sua vida <strong>de</strong> esposa e mãe, começa a fazer um levantamento com diversas<br />

donas <strong>de</strong> casa. O resultado foi o livro Mística Feminina, publicado em 1963 nos EUA e consi<strong>de</strong>rado o<br />

ponto <strong>de</strong> partida da segunda onda feminista. Friedan tenta <strong>de</strong>svendar a discrepância entre a<br />

realida<strong>de</strong> da vida <strong>de</strong> mulher que tinham e o que ela chama <strong>de</strong> “mística feminina”, a imagem com a<br />

qual tentavam se amoldar – a do american way of life. Escreve ela, sobre o que chama <strong>de</strong> “o<br />

problema sem nome”:<br />

“O problema permaneceu mergulhado, intacto, durante vários anos, na<br />

mente da mulher americana. Era uma insatisfação, uma estranha agitação,<br />

um anseio <strong>de</strong> que ela começou a pa<strong>de</strong>cer em meados do século XX, nos<br />

Estados Unidos. Cada dona <strong>de</strong> casa lutava sozinha com ele, enquanto<br />

arrumava camas, fazia as compras, escolhia tecido para forrar o sofá, comia<br />

com os filhos sanduíches <strong>de</strong> creme <strong>de</strong> amendoim, levava os garotos para<br />

as reuniões <strong>de</strong> lobinhos e fadinhas e <strong>de</strong>itava-se ao lado do marido, à noite,<br />

temendo fazer a si mesma a silenciosa pergunta: ‘É só isto?’” (FRIEDAN,<br />

1971, p. 17)<br />

Friedan reforça que naqueles últimos quinze anos – ou seja, o período do pós-Segunda<br />

Guerra Mundial até o começo dos anos 1960 – havia um papel social pré-<strong>de</strong>terminado à mulher como<br />

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