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Estudos de Cinema e Audiovisual

AnaisDeTextosCompletos(XIX)

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<strong>de</strong>stina também e, com eles, consequentemente, aqueles que assistem às imagens. Esse ví<strong>de</strong>o<br />

fundamental intitula-se “Visão do piloto em primeira pessoa”. Mike parece, <strong>de</strong> fato, aos poucos,<br />

enten<strong>de</strong>r o que ele mesmo busca, ou a própria busca o permite enten<strong>de</strong>r o que quer criar. Não fosse,<br />

inclusive, pelo barulho constante do motor da motocicleta, esses primeiros ví<strong>de</strong>os seriam quase que<br />

estritamente contemplativos: o piloto nada fala, apenas percorre a noite em silêncio.<br />

Notamos assim formar-se uma relação que conjuga o acoplamento da câmera, a câmera no<br />

capacete, o capacete no corpo do piloto e o corpo do piloto na motocicleta. Uma espécie <strong>de</strong> simbiose<br />

se configura, mas não exatamente isso, como vimos na não coincidência entre olhar do piloto e olhar<br />

da câmera, o que nos remete à relação entre corpo e câmera apontada por Jean-Clau<strong>de</strong> Berna<strong>de</strong>t<br />

(2003) no filme Diário <strong>de</strong> bordo (São Paulo/9 dias em novembro), <strong>de</strong> Paola Prestes. O aparato é<br />

então, ao mesmo tempo, um aparato fixo e móvel, que está associado à estrutura câmera-capacetecorpo-motocicleta,<br />

mas, com eles e como eles, se move; permanece no mesmo lugar que,<br />

consequentemente, nunca é o mesmo.<br />

Disso <strong>de</strong>corre, na imagem, um processo <strong>de</strong> repetição e diferença. As paisagens que vemos à<br />

nossa frente, <strong>de</strong>scortinadas pelos trajetos do piloto, se apresentam como variáveis, vão mudando,<br />

mas, <strong>de</strong> alguma forma, talvez por uma certa homogeneida<strong>de</strong> estética, arquitetônica e formal <strong>de</strong><br />

avenidas e ruas da cida<strong>de</strong>, são semelhantes entre si. Semelhança e variação estão aí intimamente<br />

conectadas, nos dando a ambígua impressão <strong>de</strong> vermos sempre a mesma paisagem que,<br />

ironicamente, está sempre em mudança. Tal caractística, é evi<strong>de</strong>nte, é menos produzida pelo<br />

dispositivo <strong>de</strong> Mike, apesar <strong>de</strong> constituir-se como elemento importante no interior <strong>de</strong>ste, e mais algo<br />

que esse dispositivo capta do espaço mesmo em que vivemos e transitamos: a cida<strong>de</strong> como<br />

paisagem padronizada, mas também incapaz <strong>de</strong> escon<strong>de</strong>r suas diferenças constituintes, como a<br />

separação dos espaços, a distribuição <strong>de</strong> riquezas entre eles, a diferente concentração <strong>de</strong> pessoas e<br />

fluxos, a organização bastante variável que a faz oscilar entre or<strong>de</strong>namento e caos.<br />

3. Traços enunciativos<br />

Retornando aos primeiros ví<strong>de</strong>os, que datam do início <strong>de</strong> 2012, e mais uma vez ao contrário do<br />

que os ví<strong>de</strong>os mais recentes po<strong>de</strong>m sugerir, é importantíssimo perceber que Mike só instala o<br />

microfone para captação <strong>de</strong> voz com alguns ví<strong>de</strong>os já produzidos, sendo esse “incremento” um fator<br />

<strong>de</strong> adaptação notável no que concerne às possíveis pretensões do piloto. De fato, nesse momento<br />

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