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Estudos de Cinema e Audiovisual

AnaisDeTextosCompletos(XIX)

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momento. Entre um e outro, talvez o filme que torne mais evi<strong>de</strong>nte o horror do cotidiano seja<br />

Trabalhar cansa, obra <strong>de</strong> menor repercussão crítica e <strong>de</strong> público.<br />

Em nossa análise <strong>de</strong> Trabalhar cansa, <strong>de</strong>stacamos (1) a dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> se manter em quadro<br />

das personagens enquanto formalização <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong> na qual todos querem a mesma coisa<br />

(po<strong>de</strong>r trabalhar); (2) e a forma como o trânsito entre gêneros (terror, comédia, drama social etc.)<br />

lembra, <strong>de</strong> um lado, a tradição arcaica da arbitrarieda<strong>de</strong> em nossa cultura enquanto cristalização<br />

formal <strong>de</strong> nossa estrutura social (Machado <strong>de</strong> Assis) e, <strong>de</strong> outro, a flexibilida<strong>de</strong> dos processos<br />

seletivos e do mundo do trabalho contemporâneo tematizados pela narrativa, promovendo no filme o<br />

encontro do Brasil com o capitalismo avançado em um momento <strong>de</strong> abrasileiramento do capitalismo<br />

avançado.<br />

Conclusão: Anos Lula e dois enigmas<br />

Analisar filmes como O invasor e Trabalhar cansa é pensar nossa história recente, porque<br />

enunciar os elementos formais que constituem as obras soa por <strong>de</strong>mais semelhante com os<br />

movimentos políticos <strong>de</strong> nossa socieda<strong>de</strong> no período. Gostaríamos <strong>de</strong> concluir indicando dois<br />

enigmas que se abrem a partir <strong>de</strong>sses filmes.<br />

Primeiro: quem é Anísio, o matador <strong>de</strong> O invasor? Só temos como saber o que ele <strong>de</strong>clara<br />

<strong>de</strong>sejar: po<strong>de</strong>r consumir, po<strong>de</strong>r mandar. Parece um “sujeito monetário sem dinheiro”, conceito <strong>de</strong><br />

Robert Kurz citado por Roberto Schwarz para <strong>de</strong>finir as figuras que habitam Cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Deus, o<br />

romance <strong>de</strong> Paulo Lins que inspirou o filme <strong>de</strong> 2002 (SCHWARZ, 1999, pg. 171). Mas sua qualida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> objeto intrusivo, sua atitu<strong>de</strong> afirmativa tão irreal em 2002 parece premonitória <strong>de</strong> uma insegurança<br />

que a classe média viria a viver <strong>de</strong> maneira muito real poucos anos <strong>de</strong>pois, cujos conflitos seguem se<br />

atenuando e polarizando até o presente. O que mudou <strong>de</strong> lá para cá tem como personagem central<br />

Luiz Inácio Lula da Silva, presi<strong>de</strong>nte do Brasil entre 2003 e 2010. Eleito no ano em que O invasor<br />

entrou em cartaz, Lula – ele mesmo uma espécie <strong>de</strong> invasor – ocupou um espaço social que não o<br />

seu, on<strong>de</strong> se sentiu tão em casa. À diferença <strong>de</strong> Anísio, representou um projeto coletivo. Mas, talvez<br />

como Anísio, este projeto tivesse como horizonte último a conquista do po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> consumo enquanto<br />

constituição <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> social.<br />

Segundo: o que significa esta intuição <strong>de</strong> cineastas <strong>de</strong> representar os conflitos <strong>de</strong> classe<br />

através do terror, tendência que parece estar se consolidando no início dos anos 2010? A década<br />

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