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Estudos de Cinema e Audiovisual

AnaisDeTextosCompletos(XIX)

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Ozon revela gozar do exercício pleno e prazeroso <strong>de</strong> sua arte em Une Nouvelle amie,<br />

<strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>rando toda e qualquer tomada <strong>de</strong> partido entre comédia e drama, entre inocência e<br />

perversida<strong>de</strong>, entre homem e mulher, e outros binarismos mais. O resultado é perturbador e ele<br />

realiza uma dinâmica fílmica que ultrapassa a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> contextos exclusivamente locais ou nacionais,<br />

oferecendo ao expectador uma perspectiva humana e <strong>de</strong> caráter transnacional. Voluntária ou<br />

involuntariamente, Ozon se inscreve na atualida<strong>de</strong> social e política do impasse quanto ao casamento<br />

entre pessoas do mesmo sexo e da igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> direitos, mas parece ir além, ao suscitar a reflexão e<br />

o <strong>de</strong>bate público em torno da complexida<strong>de</strong> do <strong>de</strong>sejo, da multiplicida<strong>de</strong> das famílias e da<br />

emancipação <strong>de</strong> toda sexualida<strong>de</strong> diante dos entraves familiais, sociais e culturais. Entre diferentes<br />

hibridações, alternando entre grotesco e belo, entre risos e lágrimas, o filme, objeto gerador <strong>de</strong><br />

polêmica em sua recepção, parece executar um venturoso réquiem aos gêneros em todos os seus<br />

estados, fazendo uma leitura <strong>de</strong>sestabilizadora sobre as questões <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> exclusivistas entre<br />

ele/ela e propondo uma via outra - talvez com um pronome sem marca <strong>de</strong> gênero, fundado na<br />

tolerância. Com o filme, fica a proposta <strong>de</strong>ssa nova via, que <strong>de</strong>veria ultrapassar a máquina da<br />

linguagem, fábrica <strong>de</strong> adjetivos e lugares exclu<strong>de</strong>ntes, e pensar o outro a partir <strong>de</strong> uma i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong><br />

Barthes, que enuncia que o outro não <strong>de</strong>ve ser nem ele nem ela, porque a terceira pessoa da<br />

conjugação é um pronome perverso, pois é o pronome da não pessoa - ele ausenta, anula.<br />

[BARTHES, 1977, p. 219]. Entoando o mesmo réquiem aos gêneros <strong>de</strong> Ozon, Barasc e Causse<br />

propõem, em alternativa a il (ele) e elle (ela) - UL, “o primeiro dom <strong>de</strong> um pronome que não vicia<br />

nenhuma hierarquia nem exclusão” [BARASC; CAUSSE, 2015, p. 175], colocando fim a toda<br />

dicotomia <strong>de</strong> gênero.<br />

Referências<br />

BARASC, Katy; CAUSSE, Michèle. Requiem pour il et elle. Donnemarie-Dontilly: Éditions iXe, 2014.<br />

BARTHES, Roland. Fragments d’un discours amoureux. Paris: Éditions du Seuil, 1977.<br />

CONNELL, Raewyn; PEARSE, Rebecca. Gênero. Uma perspectiva global. 3ªed. Trad. Marília<br />

Moschkovich. São Paulo: nVersos, 2015.<br />

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