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Estudos de Cinema e Audiovisual

AnaisDeTextosCompletos(XIX)

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Assim, Douro acaba sendo um marco no cinema português e também um registro histórico<br />

do inicio da década <strong>de</strong> 1930, além, é claro, <strong>de</strong> uma relíquia dos primórdios do cinema em Portugal.<br />

Entretanto, nem só <strong>de</strong> registros da realida<strong>de</strong> se faz Douro, faina fluvial. Essa obra evi<strong>de</strong>ncia uma das<br />

características mais interessantes do cinema <strong>de</strong> Manoel <strong>de</strong> Oliveira: transitar entre o real e o ficcional.<br />

Há, nessa película <strong>de</strong> 1931, em meio ao registro das ações e situações cotidianas do Porto, o<br />

episódio <strong>de</strong> um carro <strong>de</strong> bois que, <strong>de</strong>sgovernado, atropela um rapaz. Sendo assim, a ficção inva<strong>de</strong> a<br />

realida<strong>de</strong>, inserindo no filme documental um episódio ficcional com principio meio e fim. Esse<br />

hibridismo é um dos elementos mais importantes na configuração do que José Régio, em seu artigo<br />

publicado na revista Presença, chamou <strong>de</strong> “po<strong>de</strong>rosa visão <strong>de</strong> poeta” <strong>de</strong> Oliveira, visão essa que<br />

proporcionou gran<strong>de</strong> inovação ao cinema português.<br />

Manoel <strong>de</strong> Oliveira é artista e poeta no alto sentido do que , afinal, estas<br />

duas palavras são como sinônimos. E não é tão fácil <strong>de</strong> ver que era isso<br />

que ainda não aparecera em nosso cinema? (REGIO, 1994, p.13)<br />

Inserido em um momento em que o cinema se mostra entusiasmado com a i<strong>de</strong>ia do<br />

progresso, Douro, faina fluvial faz parte do chamado ciclo <strong>de</strong> filmes <strong>de</strong> vanguarda consi<strong>de</strong>rados<br />

“sinfonias urbanas”. Nesse sentido, percebe-se que Douro se inspira evi<strong>de</strong>ntemente no filme Berlim,<br />

sinfonia <strong>de</strong> uma capital(1927), <strong>de</strong> Walter Ruttman. Ambos fazem uma reflexão sobre seu momento<br />

histórico, o progresso e o funcionamento das gran<strong>de</strong>s cida<strong>de</strong>s; mas fazem, acima <strong>de</strong> tudo, uma<br />

reflexão sobre o próprio cinema enquanto instrumento <strong>de</strong>ssa mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>. As duas obras “Douro” e<br />

“Berlim”, se aproximam não só pela proposta temática <strong>de</strong> retratar um dia na cida<strong>de</strong>, mas também <strong>de</strong><br />

uma perspectiva estética que prioriza as imagens sequenciais, os cortes bruscos e a velocida<strong>de</strong><br />

acelerada da montagem, como se fossem, efetivamente, um retrato da vida mo<strong>de</strong>rna. Segundo o<br />

pesquisador Pedro Afonso da Silva Oliveira, foi após ver o filme <strong>de</strong> Ruttmann que Oliveira pensou nas<br />

primeiras feições do Douro:<br />

O gosto pelo documentário e um forte impulso para fazer cinema como<br />

realizador vão-se afirmar, segundo o próprio, aquando da estreia do filme<br />

Berlim, sinfonia <strong>de</strong> uma Capital (1927), <strong>de</strong> Walter Ruttmann, no cinema<br />

Trinda<strong>de</strong> no Porto: “Filme mudo, sem legendas, com a construção <strong>de</strong> uma<br />

sinfonia, como o próprio titulo indica, um tanto frio e mecânico, arredondado<br />

numa admirável unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> tempo e espaço. Voltei ao Trinda<strong>de</strong> para ver o<br />

filme segunda vez. Foi a lição <strong>de</strong> técnica <strong>de</strong> cinema mais proveitosa que até<br />

agora recebi” (OLIVEIRA, 2010, p. 10)<br />

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