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Estudos de Cinema e Audiovisual

AnaisDeTextosCompletos(XIX)

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A montagem dos planos <strong>de</strong>talhes das expressões faciais das mães filmadas com câmera na<br />

mão ligados e em interação com a ópera <strong>de</strong> Giuseppe Verdi, Messa da Requiem, Hostias e as<br />

batidas cardíacas em intervalos constantes remetendo à vida e ao sublime momento do nascimento<br />

remetem, inevitavelmente a uma dimensão sacra, a uma transcendência. A canção italiana escrita no<br />

final do século XIX que originalmente remete a um cenário <strong>de</strong> missa fúnebre católica romana parece,<br />

<strong>de</strong> certa forma, ressignificada. No trecho selecionado pelo diretor armênio, há uma repetição <strong>de</strong><br />

exaltações a Deus e entrega <strong>de</strong> sacrifícios e orações. Apesar <strong>de</strong>ste trecho da ópera dialogar<br />

diretamente com o sacrifício feito por Abraão, é possível correlacionar todo este curta com a Pietà, e,<br />

inevitavelmente, com a trajetória abnegada e dolorosa <strong>de</strong> Maria, mãe <strong>de</strong> Jesus. A temática cristã,<br />

neste filme, parece ainda mais contun<strong>de</strong>nte do que nos anteriores, revelando, talvez, traços da<br />

própria personalida<strong>de</strong> do diretor.<br />

As dores do parto se intensificam, o momento mais aguardado se aproxima, a duração dos<br />

planos diminui, o ritmo dos corte fica mais acelerado, até que <strong>de</strong>pois do esboço <strong>de</strong> um sorriso que<br />

con<strong>de</strong>nsa alívio, realização e contentamento em uma mesma fisionomia, há um dos instantes mais<br />

sublimes <strong>de</strong>ste filme, a criança sendo lavada em slow motion com uma contraluz reforçando, assim,<br />

toda a dimensão apoteótica. A mão unge o bebê em um ritual <strong>de</strong> consagração, o tempo <strong>de</strong>sacelera e<br />

eternaliza a vida.<br />

É possível sentir toda a potência lírica <strong>de</strong> Peleshian neste curta-metragem, sobretudo na<br />

relação visceral que se estabelece entre mãe e filho. Ele propõe ao espectador momentos <strong>de</strong> enlevo<br />

e profunda reflexão sobre a relação individual que cada um estabelece com a vida e com a criação. O<br />

congelamento ou a paragem da imagem final do abraço entre mãe e filho que olham para a câmera<br />

parecem sintetizar todo movimento proposto ao longo do filme.<br />

Conclusão<br />

Peleshian, a partir <strong>de</strong> sua metodologia distancial <strong>de</strong> montagem, busca justificar sua estratégia<br />

<strong>de</strong> trabalho pela diferenciação através da organização das imagens. Ou seja, reforça em certa<br />

medida sua proposta <strong>de</strong> que seus filmes, suas montagens são organismos vivos que apresentam<br />

uma pulsação interna que precisa ser sentida e absorvida pelo espectador.<br />

Portanto, é possível afirmar que os próprios filmes estabelecem diálogos e conexões entre si.<br />

A dimensão emocional transborda da tela e afeta o espectador em sua forma <strong>de</strong> ler, observar e se<br />

inserir no mundo. Artavazd Peleshian propõe, assim, uma montagem poética reflexiva através da<br />

repetição e inversão <strong>de</strong> eixo <strong>de</strong> planos, <strong>de</strong>saceleração <strong>de</strong> imagens, conexões distanciadas <strong>de</strong><br />

unida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> blocos, ampliação da dimensão sonora e, simultaneamente, aberta para múltiplas<br />

leituras daqueles que se permitem olhar <strong>de</strong> forma atenta para a orquestração audiovisual regida pelo<br />

maestro virtuoso da Armênia.<br />

Referências<br />

CHION, Michel. A Audiovisão - Som e Imagem no <strong>Cinema</strong>. Lisboa: Texto & Grafia, 2011.<br />

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