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Estudos de Cinema e Audiovisual

AnaisDeTextosCompletos(XIX)

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conjunto audiovisual. É como se a composição <strong>de</strong> Abujamra, sincronizada a cenas <strong>de</strong> extrema<br />

violência, funcionasse como “câmera lenta”.<br />

Segundo Abujamra, foi com este filme que ele apren<strong>de</strong>u <strong>de</strong> fato o ofício da composição <strong>de</strong><br />

música <strong>de</strong> cinema. Percebe-se, então, uma economia no uso da música original, cujas inserções,<br />

para além dos créditos iniciais e finais, restringem-se aos momentos enfáticos <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> fato<br />

(personagens contando ao médico Dráuzio Varela como entraram no mundo do crime, em forma <strong>de</strong><br />

flashback), aspiração às liberda<strong>de</strong>s coletiva e individual, conforme o a<strong>de</strong>nsamento ou esvaziamento<br />

textural (como quando as pipas feitas pelo <strong>de</strong>tento mais idoso sobrevoam o pátio da prisão), e<br />

aquisição da liberda<strong>de</strong> – seja por meio da preservação da vida ou da libertação dos corpos doentes e<br />

confinados por meio da morte violenta pela polícia.<br />

A música original, tendo sua primeira parte (cordas e ma<strong>de</strong>iras) como representação sonora<br />

da memória (passado) e da busca (futuro) da liberda<strong>de</strong> contrapõe-se a sua própria segunda parte<br />

(guitarras com sli<strong>de</strong>r e percussão), que constata a inevitabilida<strong>de</strong> do tempo presente, e ao som direto<br />

do filme, cuja ruidagem intensa também evi<strong>de</strong>ncia o presente em gritos, no abrir e fechar das celas<br />

enferrujadas, nas tosses dos doentes, nos tiros, golpes <strong>de</strong> cassetete, esfaqueamentos e outras<br />

agressões físicas cometidas ou sofridas pelos personagens. Há também sons não sincronizados ou<br />

pertencentes (em sua origem) à imagem, que se referem aos pesa<strong>de</strong>los dos <strong>de</strong>tentos e ao suspense<br />

construído na iminência da violência. Instantes <strong>de</strong> silêncio verbal e musical também são utilizados<br />

com o mesmo fim <strong>de</strong> suspense, em tons mais solenes <strong>de</strong> inevitabilida<strong>de</strong> da agressão.<br />

A música diegética revela o contexto sócio-cultural dos personagens, por meio do que<br />

costumavam ouvir em suas comunida<strong>de</strong>s e do que ouvem na prisão. Rap, disco, black, bolero, brega,<br />

samba e música gospel também compõem a trilha sonora, com <strong>de</strong>staque para a participação <strong>de</strong> Rita<br />

Cadillac (“É bom para o moral”) em show no pátio <strong>de</strong> Carandiru, com o objetivo <strong>de</strong> auxiliar Dráuzio<br />

Varela a conscientizar os <strong>de</strong>tentos sobre a importância do uso do preservativo na prevenção <strong>de</strong><br />

doenças sexualmente transmissíveis.<br />

Em geral escura e amarelada, a fotografia <strong>de</strong> Carandiru e seus planos predominantemente<br />

fechados ou extremamente abertos <strong>de</strong>monstram visualmente o confinamento em superlotação e as<br />

condições precárias que levam os presos à doença – motivo que leva à chegada <strong>de</strong> Varela à prisão.<br />

O personagem do médico torna o filme possível, não apenas pela adaptação <strong>de</strong> seu livro (pré/extrafilme),<br />

mas na narrativa, à medida que passa a ouvir as histórias dos presos sem julgamento e a<br />

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