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Estudos de Cinema e Audiovisual

AnaisDeTextosCompletos(XIX)

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cada momento -, <strong>de</strong>ixam alguns elementos em suspenso enquanto outros se iniciam, como diferentes<br />

instrumentos <strong>de</strong> uma peça orquestral.<br />

Uma reflexão que busque enten<strong>de</strong>r as potencialida<strong>de</strong>s do silêncio no seio <strong>de</strong>stas questões<br />

<strong>de</strong>ve consi<strong>de</strong>rar que, em muitas das discussões dos estudos do som, ele tem sido abordado como<br />

uma impressão, uma marca no domínio das sensações, e vinculado às artimanhas <strong>de</strong>senvolvidas<br />

pelos construtos narrativos da cinematografia, como, por exemplo, a ênfase <strong>de</strong>positada sobre<br />

<strong>de</strong>terminadas sonorida<strong>de</strong>s ou às potencialida<strong>de</strong>s do contraste que distinguem dados excertos, nas<br />

mais variadas cenas. É assim que Michel Chion (2011) refere-se ao silêncio em A audiovisão (2011),<br />

por exemplo, afrontando a pseudoausência das sonorida<strong>de</strong>s que seriam combinadas à imagem.<br />

Neste viés, são valiosas as proposições do antropólogo David Le Breton (1999) que assumem o<br />

silêncio como uma relação participante da comunicação <strong>de</strong> modo presente, assim como a língua e as<br />

manifestações do corpo que a acompanham. Deste modo, pensa-se o silêncio como presença, isto é,<br />

como algo que po<strong>de</strong> ou não nos alcançar, como prefere Gumbrecht. Dentro <strong>de</strong>sta perspectiva, o<br />

termo ‘efeitos <strong>de</strong> silêncio’, sobre o qual tenho investido, torna-se profícuo nesta tarefa, contemplando<br />

tamanhas assertivas que o revogam como a ausência <strong>de</strong> sonorida<strong>de</strong>s perante nossos corpos e<br />

sentidos e que restabelecem a sua presença.<br />

No filme, quando a tela escurece, do quadro e dos alto-falantes emerge um amálgama que<br />

con<strong>de</strong>nsa a tonalida<strong>de</strong> sépia e o andamento vagaroso da música <strong>de</strong> Eduard Artemiev, ao passo que<br />

percebemos que estes estímulos já nos lançaram a uma dada atmosfera. Ali, no interior <strong>de</strong> uma<br />

taberna <strong>de</strong> caráter expressionista, em enquadramento fixo e plano aberto, um homem atravessa a<br />

frente da câmera e senta-se para tomar um café. Antes, ele costura uma conversa inaudível com<br />

aquele que o serve, conservando o silêncio dos diálogos, sobre o qual a trilha musical perdura e<br />

combina-se aos créditos iniciais. Dela absorvemos o entrelaçamento <strong>de</strong> sons eletrônicos, o <strong>de</strong>dilhar<br />

<strong>de</strong> uma cítara e uma melodia flautística que, durante os intertítulos narrativos, contextualizam o<br />

enredo ao espectador: os mistérios que envolvem a Zona.<br />

Com a situação dramática introduzida, somos alçados à morada do Stalker, on<strong>de</strong> o olhar da<br />

câmera que avança lentamente por uma porta entreaberta revela o amanhecer <strong>de</strong> uma família<br />

provinciana. Dos alto-falantes nos chegam os pequenos ruídos que configuram o espaço diegético: o<br />

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