03.06.2016 Views

Estudos de Cinema e Audiovisual

AnaisDeTextosCompletos(XIX)

AnaisDeTextosCompletos(XIX)

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

orientado por um princípio “não autobiográfico”, cujo sujeito se coloca <strong>de</strong> maneira gradual em meio<br />

aos <strong>de</strong>slocamentos ficcionais ou colisões <strong>de</strong> textos e <strong>de</strong> imagens. Estas, vale sublinhar, são não<br />

apenas suas, como também <strong>de</strong> outros (a maior parte da versão final é ocupada pelas imagens dos<br />

ditos “amadores”).<br />

A montagem <strong>de</strong> Quando eu for ditador funciona <strong>de</strong> modo radicalmente distinto da <strong>de</strong> Já visto<br />

jamais visto. Se no caso <strong>de</strong> Tonacci há gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>spojamento das operações produtoras <strong>de</strong> sentido,<br />

no filme <strong>de</strong> Yaël Andrè tudo é cuidadosamente calculado. Esse cálculo, contudo, não serve para<br />

enrijecer o fluxo das imagens, nem sequer canalizá-lo, impedir seus vazamentos. Pelo contrário: a<br />

obra se estrutura em blocos <strong>de</strong> micro-invenções, relatos <strong>de</strong> vidas e <strong>de</strong> mundos possíveis,<br />

continuamente re-fabricados pelos procedimentos <strong>de</strong> fabulação temporal do cinema, como um manto<br />

<strong>de</strong> Penélope. Há convocação abundante dos recursos sonoros, predispostos em três camadas<br />

principais: a trilha sonora, a mixagem e a narração.<br />

A trilha sonora é carregada <strong>de</strong> relevos, rimas, incursões. Calculada, mas sempre <strong>de</strong>slocada<br />

ou <strong>de</strong>scolada em relação ao que se vê, marcada por silêncios, <strong>de</strong>svios, interrupções. Uma trilha que<br />

opera na contramão da sonorização dita realista, sem se contentar em traduzir ou ilustrar os<br />

acontecimentos das imagens. A mixagem, por sua vez, é bastante econômica, <strong>de</strong>stinada a conferir<br />

espacialida<strong>de</strong> a certas cenas e a produzir, nelas, relações <strong>de</strong> estranhamento, como é o caso das<br />

dublagens grosseiras ou das agudas gargalhadas. Por fim, a voz over, cuja presença ressignifica sem<br />

cessar o fluxo narrativo, instaurando aberturas, reflexos e contradições entre as imagens.<br />

Esse texto narrativo não produz fechamentos <strong>de</strong>finitivos: seu funcionamento é lacunar,<br />

marcado por reticências, afasias, formulações poéticas que sugerem sem <strong>de</strong>screver nem<br />

correspon<strong>de</strong>r. Tudo adquire uma conotação lúdica, a começar pelos títulos dos blocos narrativos,<br />

brinca<strong>de</strong>iras infantis nas quais persistem as vibrações <strong>de</strong> um <strong>de</strong>vir criança. Recor<strong>de</strong>mos alguns:<br />

“quando eu for psicopata”, “quando eu for aventureira”, “quanto eu for aventureira (2ª tentativa)”,<br />

“quando eu for uma mãe exemplar”, “quando eu for <strong>de</strong>us”, “quando eu for feliz”, “quando você for um<br />

fantasma”, e “quando tivermos sobrevivido a tudo isso”.<br />

Com efeito, a aparição das imagens se encontra problematizada pelas operações <strong>de</strong> um<br />

sujeito infante, que instaura, por meio das palavras, contrapontos singulares à estrutura simbólica do<br />

202

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!