03.06.2016 Views

Estudos de Cinema e Audiovisual

AnaisDeTextosCompletos(XIX)

AnaisDeTextosCompletos(XIX)

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

Fernando Lopes recorda que houve <strong>de</strong> facto um erro <strong>de</strong> cálculo. Que havia nos realizadores uma<br />

percepção irrealista <strong>de</strong> um público educado, que ia a Paris ver filmes num fim <strong>de</strong> semana e voltava<br />

(MELO, 1996, p.16): “Parece-me que todos nós contávamos um pouco excessivamente com a<br />

existência <strong>de</strong> um público esclarecido, para usar um chavão da época, público que teria sido formado<br />

pelo cine-clubes, público universitário, e outro, que <strong>de</strong> facto não apareceu para os nossos filmes”<br />

(MONTEIRO, 2011, p.334-335) (MADEIRA, 2014, 50). Como afirmou Paulo Filipe Monteiro, a difícil<br />

relação do público português com os filmes <strong>de</strong>stes diretores é ainda hoje “o gran<strong>de</strong> calcanhar <strong>de</strong><br />

Aquiles” (MONTEIRO, 2011, p.335). Interessantemente, quando confrontado com a acusação <strong>de</strong> virar<br />

as costas ao público, Rocha nega tal situação e sintetiza: “1º - O público português não quer<br />

conhecer Portugal. (...) 2º - Nós ainda não sabemos bem quais as teclas que se po<strong>de</strong>m tocar para o<br />

público português” (MELO, 1996, 73).<br />

Fernando Lopes é semelhante neste campo. Parece haver <strong>de</strong> facto a partilha da i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> um<br />

respeito enorme pelo público, uma afeição, até, (repudia a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que o seu cinema não é para um<br />

público, ao contrário <strong>de</strong> César Monteiro), mas a sua visão <strong>de</strong> espectador não <strong>de</strong>ixa no entanto <strong>de</strong> ser<br />

altamente editada. O seu cuidado e preocupação com a reação do público está patente na forma<br />

como <strong>de</strong>screve a forma como viu algum público receber Belarmino: “Tive uma consciência que me<br />

<strong>de</strong>ixou alarmado, pois que o público, inclusivamente, tinha dificulda<strong>de</strong> na leitura das imagens”<br />

(MADEIRA, 2014, p.20). Com efeito, em vários momentos das entrevistas compiladas por Maria João<br />

Ma<strong>de</strong>ira e que perpassam décadas, Lopes manifesta a sua perplexida<strong>de</strong> e <strong>de</strong>sgosto acerca da<br />

relação do cinema português com o seu público e reconhece a incapacida<strong>de</strong> da sua geração.<br />

Olhando retrospectivamente, em linha com Rocha, Lopes diz: “nós não temos nenhuma i<strong>de</strong>ia sobre o<br />

público, não há nenhum estudo sobre ele”.<br />

Em suma, a concepção <strong>de</strong> espectador <strong>de</strong> Lopes trunca com a função da distinção, isto é, do<br />

critério e do valor cultural produzidos pelo gosto. Tudo isto conduz, por isso, a uma conclusão que é a<br />

da estratificação do público entre o anónimo e o espectador, pensado à imagem e semelhança do<br />

imaginário <strong>de</strong> um arquétipo <strong>de</strong> indivíduo culto, sagaz e ávido, muitas nos antípodas do que se<br />

encontrava "cá <strong>de</strong>ntro" e i<strong>de</strong>ntificado com uma imagem estereotipada do estrangeiro centro-europeu<br />

que apreciaria o cinema português e o valorizaria mais.<br />

É ainda interessantemente atentar na dicotomia relativamente explícita <strong>de</strong> num dos cartazes<br />

publicitários <strong>de</strong> Os Ver<strong>de</strong>s Anos, obra Paulo Rocha, aludia a esta questão. Nele podia ler-se:<br />

28

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!