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Estudos de Cinema e Audiovisual

AnaisDeTextosCompletos(XIX)

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elato em voz off <strong>de</strong> uma viagem feita por uma senhora (episódio um); em seguida, os realizadores<br />

acompanham os passageiros do trem que faz o trecho Belo Horizonte Vitória (episódio três); e, por<br />

fim, a equipe acompanha um trabalhador rural (seu nome não é informado) numa viagem <strong>de</strong> Magé,<br />

no interior do estado do Rio <strong>de</strong> Janeiro, à Central do Brasil, no centro da cida<strong>de</strong> do Rio (episódio<br />

cinco).<br />

Na introdução <strong>de</strong>ste texto, comentei que o próprio documentário se intitula um road movie. O<br />

<strong>de</strong>bate em torno <strong>de</strong>sse gênero cinematográfico postula que, para haver road movie, é necessário que<br />

seus personagens estejam em <strong>de</strong>slocamento – seja <strong>de</strong> carro, ônibus, caminhão, trem ou, numa<br />

proporção mais rara, a pé. Os três episódios resumidos acima corroboram essa perspectiva, pois os<br />

seus personagens estão, <strong>de</strong> fato, se <strong>de</strong>slocando. Porém, nos três outros episódios, eles estão fixos,<br />

são moradores das cida<strong>de</strong>s por on<strong>de</strong> as equipes passaram. Nesse caso, instaura-se uma questão<br />

para o road movie na sua vertente documental: é possível que ele exista com personagens fixos?<br />

Quem corrobora essa perspectiva são os moradores ou ex-funcionários, mas não os<br />

realizadores. Como parte dos personagens se posiciona, mas não se <strong>de</strong>sloca, quem fará esse<br />

percurso é a narrativa. Assim, no documentário, po<strong>de</strong>-se pensar em road movies cujo <strong>de</strong>slocamento<br />

se transfere do personagem para o plano narrativo – algo impossível na ficção, pois, como ação<br />

centrada nos personagens do roteiro, se eles não se <strong>de</strong>slocam não há road movie, uma vez que<br />

revelar os bastidores ou os dispositivos <strong>de</strong> filmagem só é possível no documentário (ou nos making<br />

of, como é bastante comum no campo ficcional).<br />

A discussão em torno do road movie, especialmente no contexto norte-americano, postula<br />

como forte tendência <strong>de</strong> seus personagens estarem na contramão <strong>de</strong> regras, leis ou normas <strong>de</strong><br />

conduta. Esse diagnóstico, entretanto, não se aplica totalmente a road movies realizados em outros<br />

países. Sobre a produção brasileira, Samuel Paiva (2009) já i<strong>de</strong>ntificou que o trabalho é um aspecto<br />

central <strong>de</strong> inúmeros road movies. Mais que personagens outsi<strong>de</strong>rs, em diversos <strong>de</strong>sses filmes há<br />

trabalhadores que têm no <strong>de</strong>slocamento um componente chave <strong>de</strong> sua ativida<strong>de</strong> profissional.<br />

Descaminhos confirma essa prerrogativa <strong>de</strong> modo ainda mais radical, pois os trabalhadores que o<br />

documentário procura ouvir estão fixos, enquanto quem se <strong>de</strong>sloca são os passageiros.<br />

Conclusão<br />

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